Piratas, prisão em solitária e traição da amiga: meus sete anos em alto-mar
A jornalista carioca Barbara Veiga tinha 21 anos quando fez sua primeira expedição como voluntária do Greenpeace, em 2006. A viagem foi para a Amazônia, e teve como meta pedir a governos locais que comercializassem e usassem apenas madeira extraída legalmente. Depois disso, passou sete anos em diferentes embarcações da mais conhecida ONG de defesa ambiental: visitou 80 países, enfrentou piratas da Somália, fez manifestações contra a caça de baleias no Caribe e, a bordo de um veleiro, viveu um grande amor, que terminou por causa de uma traição.
Nessas viagens, Barbara, que hoje tem 35 anos e mora em terra firme, era tripulante e fazia de tudo; limpeza, comida, consertos, e era também fotógrafa. Ela registrava tanto paisagens e pessoas quanto as ações das ONGs das quais participou -- ela passou também pela Sea Shepherd e Amazon Watch.
No livro "Sete Anos em Sete Mares" (editora Seoman), Barbara juntou relatos de 50 diários de bordo escritos ao longo de suas viagens, onde registrou suas paixões -- pelo mar, pela vida selvagem, por companheiros de missão -- e suas dores -- da falta de comida crocante à prisão de dois dias em uma solitária no Caribe.
Leia, abaixo, trechos da entrevista de Barbara à Universa.
Enfrentando piratas da Somália
Tempestades eram recorrentes, bem como ondas de 20 metros de altura, que aterrorizavam Barbara. Mas nada se compara à tensão vivida durante uma abordagem de piratas somális no Golfo de Áden, entre o Oriente Médio e a África. "Estávamos só eu e meu então namorado no barco. Eu tinha acabado de voltar de um mergulho, quando vi um barco com quatro homens se aproximando. Estava de maiô. Como era uma região muçulmana, corri para pegar uma burca. Os homens (que eram quatro) eram muito magros, com roupas surradas. Eu sabia do perigo que corria, a região era conhecida pelos atentados de piratas contra embarcações. O barco parou do lado do nosso, tentamos estabelecer uma comunicação, mas eles ficavam em silêncio, só nos olhando", conta.
"Meu impulso foi pegar comida. Enchi uma cesta de piquenique com o que tinha: leite, macarrão, arroz, cereais, e depois entreguei a eles. Um dos homens começou a apalpar a genitália, fazer gestos na região e falar coisas que eu não entendi. Não passou pela minha cabeça que pudesse ser estupro, apesar do medo de sofrer alguma violência. Parecia que ele queria alguma coisa da gente. Deduzi que ele estava com algum tipo de infecção. Então, peguei um antibiótico para ele. Com gestos, disse que precisava tomar um comprimido pela manhã --e apontei para a luz do sol -- e outro à noite, e fingi que estava dormindo. Eles começaram a conversar entre si e, depois de alguns minutos, foram embora. Tudo durou cerca de 40 minutos. Fiquei desesperada. Vi minha vida toda passando na minha frente."
"Urinei em mim mesma na prisão"
Embarcada no navio Artic Sunrise, em 2006, Barbara partiu com a tripulação do Greenpeace em uma missão na ilha de São Cristóvão, no Caribe. O plano era atracar e colocar 865 desenhos de rabos de baleias, feitos em papelão, na orla da praia. O número dizia respeito à quantidade de animais mortos no ano anterior. "Elas eram mortas sob o pretexto de pesquisa científica, mas sua carne era comercializada. Faríamos essa intervenção, o governo soube que estávamos chegando e já havíamos sido informados que corríamos risco de prisão. Só não achei que seria levada para uma solitária. Fiquei presa por dois dias, sem água nem comida, em um cubículo escuro. Precisei ir ao banheiro e pedi ao guarda para me ajudar. Ele abriu a janela da solitária, vi aquela frestinha de luz e ouvi sua voz: 'Você vai ficar aí para sempre. Não adianta pedir, não vai ter nada'. Urinei em mim mesma... foi uma situação limite."
Passados os dois dias, Barbara recebeu a visita de uma diplomata local. No mesmo dia, ela e os companheiros de embarcação foram julgados -- precisaram admitir a culpa diante de juízes que usavam perucas brancas -- e liberados.
Amor em alto-mar
Em uma expedição do Greenpeace de 2007, Barbara conheceu um mecânico canadense por quem se apaixonou e, posteriormente, passou com ele três anos velejando.
"As pessoas têm um olhar romântico do mar. Viver nele tem suas benesses, mas requer adaptação. É preciso aceitar as condições dos ventos, do mar, e essas abordagens inusitadas como a dos piratas, por exemplo. Abrir mão de estar perto das pessoas que você ama é bem doloroso. No meu caso, sou muito ligada aos amigos, tinha dias que só sentia falta de ir ao cinema com uma amiga. Parece bobagem, mas eu sentia falta de chocolate, que eu não encontrava em vários países, e de alimentos crocantes, porque, no mar, depois de um tempo, tudo amolece".
E traição também
Três anos se passaram até que Barbara e o namorado foram convidados para participar de expedições diferentes. Ela embarcou como fotógrafa para a Antártida, e ele, como capitão, para Nova Zelândia. O relacionamento foi mantido à distância, mas, certo dia, ela recebeu um e-mail anônimo, dizendo que Locky, o namorado, estava tendo um caso com a melhor amiga dela, Zoe.
"Viver uma traição a bordo, no meio de uma expedição pela Antártida, foi sentir a dor mais aguda que já tive, olhando para um iceberg. Era meu companheiro e minha melhor amiga. E no ambiente de trabalho. Foi horrível", diz. "Levei muito tempo para me recompor. Pode acontecer com qualquer pessoa, mas foi mais difícil porque eu estava num ambiente com pessoas que acompanharam meu relacionamento por muitos anos. A expedição ainda duraria dois meses. Resolvi continuar até o fim. Se eu abandonasse a viagem, ia ser como tivesse fracassado." O namoro, claro, acabou.
"Na Amazônia, uma indígena de 14 anos me pediu pílula do dia seguinte"
Dos encontros que teve com pessoas de uma infinidade de culturas, religiões, línguas e mentalidades, é da conversa com uma indígena de 14 anos, da Amazônia, que Barbara diz ter uma das lembranças mais profundas. "Ela me pediu uma pílula do dia seguinte. Eu não tinha, perguntei se ela queria que eu falasse com a mãe dela, mas ela disse que não, que ia resolver. Ela confiou em mim e eu fiquei com pena de não poder ajudar", diz Barbara.
"Outro encontro que me marcou foi o que tive com uma família no Sri Lanka, sobrevivente de um tsunami. Antes de chegar ao país, tinham me dito para ter cuidado, porque havia muito roubo no lugar. No entanto, o que encontrei foi algo completamente diferente. Eu queria fotografar a casa dessa família e, quando fiz o pedido, eles foram muito gentis. Me serviram chá, explicaram tudo o que tinha acontecido, mostraram os cômodos devastados e permitiram que eu fotografasse tudo", conta Barbara.
Veja no álbum abaixo fotos feitas por Barbara durante uma expedição do Greenpeace à Antártida:
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