Proprietários se recusam a alugar casa para LGBTs: "Chorei muito"
A fotógrafa Chrisce de Almeida, 38, chorou. Em dezembro passado, ela e a esposa encontraram a casa onde gostariam de morar em Niterói, no Rio de Janeiro. O sobrado próximo ao centro da cidade tinha sala, cozinha, banheiro e uma pequena varanda. Era ótimo e cabia no bolso. Chrisce retornava de São Paulo para cuidar de uma tia enferma em sua cidade natal.
A negociação com a locadora foi feita pelo WhatsApp. "Era bem pertinho da casa da minha tia. Fiquei bem empolgada. A única exigência que a dona da casa fez era a de alugar para casais", explica à Universa.
A negociação
Chris respondeu que tinha o perfil desejado: iria morar no imóvel junto com a esposa. Foi aí que a conversa mudou. A proprietária a bloqueou e impediu que elas fizessem uma visita. "Eu fiquei arrasada. Me senti um lixo, sabe? Ela não quis nem me conhecer. Chorei para caramba".
O receio dela é mais um dos que acometem a muitos LGBTs. Para não perderem as chaves, casais escondem a relação ou a anunciam já logo no início das negociações. Mesmo assim, muitos são pegos de surpresa e obrigados a reverem os planos em cima da hora.
"Eu e minha esposa enxergamos nossa orientação de maneira muito natural frente à sociedade"
Para mim, foi um choque. Sou um cidadão como outra qualquer. Não esperava ser bloqueada e fiquei em choque. Me senti a pior pessoa do mundo.
Hoje, Chrisce não mora exatamente onde queria. Ela reserva mais de uma hora do dia para chegar até a casa da tia, no outro lado da cidade. "É longe para caramba", diz.
Elas já estavam planejando uma festa, até que receberam um e-mail
O mesmo aconteceu com a geóloga C., 30, que prefere não se identificar. Em junho do ano passado, ela e a namorada encontraram um apartamento em Copacabana, com salas espaçosas e no bairro que consideram mais seguro e bem localizado do que onde moravam, no Grajaú. Elas já estavam planejando um "open house" com as amigas.
Uma troca de e-mail entre ela e representantes da imobiliária, a qual Universa teve acesso, mostra o drama.
C. e a esposa precisavam deixar a casa onde moravam e tinham assinado o contrato para se mudar para o novo lar. Em uma sexta-feira, a imobiliária formalizou que tinha detectado um problema de vazamento em um registro no banheiro. O casal se dispôs a pagar, mas a proprietária disse que enviaria um profissional para realizar o conserto.
Na segunda-feira, os corretores escreveram que o reparo ainda não havia sido feito e que a locadora "se mostrou totalmente desinteressada" para assinar o contrato.
Em outro e-mail, a imobiliária escreveu: "estamos estarrecidos com a atitude desta pessoa. Mesmo como nosso esforço, não conseguimos convencê-la a cumprir com a palavra dela e assinar o contrato". Elas deveriam se mudar naquele dia.
"A proprietária mudou de postura quando recebeu o contrato que dizia que eu e minha esposa tínhamos uma união estável. Ela não aceitou mais nenhuma forma de garantia. Estávamos animadas. Para a gente, foi muito claro de que foi um caso de homofobia", desabafa C.
Minha namorada me ligou arrasada e não sabia dizer o que fazer e fiquei sentada na escada do meu trabalho e comecei a chorar
A história dela é parte de um levantamento da All Out, instituição que produz campanhas e desenha estratégias para proteção de LGBTs. Uma pesquisa feita on-line buscava compreender formas de violências as quais LGBTs são abatidos, e encontrou opressões mais sutis do que as agressões físicas e psicológicas. Foram mais de 600 relatos.
"A questão do preconceito contra LGBTs é complexa e profunda. Existem muitas camadas de violências no Brasil", explica Leandro Ramos, diretor de programas da All Out. A defesa dele é que a criminalização da LGBTfobia, discutida atualmente no Supremo Tribunal Federal, seja aprovada pelos ministros do tribunal. Só assim se evitaria a discriminação até na hora de fechar um aluguel.
"Acho que é o caminho possível e importante neste momento. O STF pode fazer com que o Congresso legisle em cima desse tema", diz.
Pode isso?
Por ora, o advogado especializado em direito imobiliário Marcelo Tapai, classifica como "um absurdo" negar a locação com base na sexualidade do morador. "A recusa deve ser feita em termos objetivos: como nome limpo, por exemplo", diz. Apesar disso, ele diz que sem uma lei ou de decisão do Supremo, não há crime específico.
"E é difícil provar. O locador inventaria desculpas em vez de fazer uma agressão direita. Diz que vai alugar a um primo, ou coisas assim. Só uma ofensa direta renderia, um processo, por exemplo, por injúria", explica. "Mesmo sem a lei, ainda é como negar a locação para um negro", explica.
Enquanto a decisão não sai, C. e a esposa encontraram um apartamento em Ipanema, com proprietários acolhedores e gentis. Disseram logo de cara que eram um casal. "Ter meu direito a morar onde queria foi o caso mais aberto e intenso de homofobia que já sofri", conclui.
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