"Sou mulher trans, me prostituí e fui salva por meu marido, um homem trans"
A transição de gênero aconteceu tarde na vida da esteticista Linda Mercadante, de 28 anos. Nascida em Araçatuba, no interior de São Paulo, ela passou a infância como um menino gay, aceito e cuidado pela família. Aos 16 anos, ela se mudou para São Paulo e descobriu que, talvez, a feminilidade da qual tanto gostava fosse parte dela mesma. "Meu pai estava internado com uma doença degenerativa e, durante um breve momento de lucidez, eu disse a ele: 'Pai, acho que sou menina'".
A mãe acompanhou a transição e temeu pela prostituição, caminho que Linda decidiu percorrer. Foram três anos na prostituição de luxo e nas drogas, até que ela conheceu Guilherme, um homem trans, tatuador, com quem descobriu diversas afinidades. "Isso faz um ano. Moramos juntos há 10 meses e queremos ter filhos biológicos e adotivos". Veja a história de Linda.
"Eu demorei para entender que era uma mulher transgênero porque não tinha conhecimento de que isso era possível. Era um menino gay bastante afeminado e sentia que faltava alguma coisa, que eu não sabia o que era.
Em Araçatuba, cresci ouvindo que travestis eram prostitutas que ficavam na rua. Comecei a ouvir falar de transexualidade ao me mudar para São Paulo, aos 16 anos, e começar a namorar um garoto.
Não tive problema com meus pais, eles sempre aceitaram minha sexualidade e nada mudou quando me descobri transgênero e decidi começar a transição. Esse namorado não aceitou e, por isso, voltei para Araçatuba.
Meu pai estava doente, internado em um hospital, e tinha poucos momentos de lucidez. Em um deles, eu disse: 'Pai, acho que sou menina'. E ele, bem fraco, me respondeu: 'Se você for feliz assim, que seja'. Pouco depois, ele morreu. Minha mãe lia sobre pessoas transgênero comigo e me acompanhava na hormonização (processo que abastece o corpo com hormônios femininos). A única coisa que ela pediu foi que eu não fosse para a prostituição.
E eu decidi ir. Eu percebia que não era aceita, o mercado de trabalho era cruel -- e ainda é, já que 90% dos transexuais no Brasil estão na prostituição -- e nenhuma loja queria um travesti dando a cara para a marca. Eu não conseguia emprego em lugar nenhum. Então, optei pela prostituição de luxo.
Eu tinha um site, tudo nos conformes. A grana da prostituição, que não era pouca, eu gastava com tratamentos estéticos e com a hormonização, já que ouvia de colegas trans que, por eu ter iniciado a transição com 25 anos, seria sempre uma mulher muito masculina. Aquilo me enlouquecia. Comecei a gastar dinheiro com depilação a laser, maquiagem, tudo que pudesse me deixar mais feminina. Além disso, eu sentia que, como trans, só seria respeitada se mostrasse que eu podia consumir, que eu tinha dinheiro. Tinha essa ilusão.
A questão é que, além da prostituição, comecei a usar drogas. No começo, porque os clientes pediam. Alguns, às vezes, nem queriam transar, mas, sim, uma companhia para se drogar. E eles pagavam bem, R$ 4 mil, por noite. Eu não recusava. Já cheguei a cheirar 40 pinos de cocaína em uma noite. Era um círculo vicioso e eu não me via mais fora dele. Qualquer outra vida me renderia menos dinheiro.
Minha mãe teve um AVC (Acidente Vascular Cerebral) e precisava de cuidados 24 horas por dia. Então, fiquei um mês sem trabalhar só para cuidar dela. Quando consegui um cuidador para revezar comigo, ela morreu, no começo do ano passado. Foi um baque grande.
No mesmo período, conheci o Guilherme, meu marido, ocasionalmente em frente à minha casa. Ele estava com um amigo em comum em um bar lá perto. Esse amigo nos apresentou e, nesse dia, ficamos conversando durante a madrugada inteira. O tempo voou. Descobrimos várias afinidades e eu soube, inclusive, que ele era um homem trans. Ficamos e não nos desgrudamos mais. Tive medo de como a família dele receberia meu passado -- em cidade pequena, todo mundo sabe de todo mundo.
Fui muito bem aceita, abraçada, e me sinto parte da família. A mãe e as tias dele, inclusive, pagaram um curso de estética para mim. Hoje, eu faço design de sobrancelhas em domicílio, abandonei a prostituição e nunca mais cheguei perto de drogas. Me sinto forte para negar quando me oferecem. No ano que vem, pretendo começar a faculdade de gastronomia. Eu amo cozinhar. Tive que trocar de número de celular duas vezes porque os clientes ainda insistem em me chamar. Respondo, educadamente: "Sou casada, não trabalho mais com isso".
Guilherme e eu estamos construindo nossa vida juntos. Ele vai abrir um estúdio de tatuagem ainda esse ano e esperamos, nos próximos dois anos, ter filhos. Precisa ser logo porque, se ele não retirar o útero, a hormonização pode gerar complicações. Queremos, pelo menos, um biológico e um adotivo. Tê-lo encontrado foi uma alegria que eu sigo vivendo."
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