Tirar camisinha sem consentimento é crime: elas contam casos de stealthing
Em fevereiro, uma mulher norte-americana recorreu ao fórum online Reddit para contar sua história: ela pegou a sogra invadindo seu quarto e furando suas camisinhas, pois a mulher e seu marido disseram que não queriam ter filhos, enquanto a sogra estava inconformada com a decisão do casal e exigia que eles lhe dessem um neto para "continuar o legado da família". Pouco tempo depois, a mulher descobriu que estava grávida.
O caso resgatou a discussão sobre o "stealthing" (significa "ocultação", "dissimulação", em inglês), quando alguém sabota a camisinha durante o ato sexual, removendo-a sem o consentimento da outra pessoa. Perfurar o preservativo de propósito também é considerado como uma forma de "stealthing". À Universa, quatro mulheres relataram situações nas quais foram enganadas pelo parceiro sobre o uso da camisinha durante o sexo, e especialistas aconselham o que fazer:
Percebeu no meio da transa e parou tudo
"Na primeira vez eu estava bem bêbada, ficando com um dinamarquês. Ele tirou a camisinha no meio da transa e eu só tinha uma. Tive que mandar ele parar. Ele ficou puto comigo e eu falei 'cara, eu não tomo pílula'.
O outro caso aconteceu essa semana. Eu ficava com um cara no fim do ano passado que parecia ser gente boa, mas acabou não dando certo. Esse ano, ele me mandou uma mensagem dizendo que sentia minha falta. Acabamos marcando um encontro para conversar numa boa. Depois, fui para a casa dele. No meio da transa --que eu fui bem enfática para ser com camisinha--, eu olhei para ele e vi que ele tinha tirado a dita cuja. Mandei colocar outra, aí ele colocou e gozou nela. Virei para o lado e dormi. No dia seguinte, vi que a primeira camisinha estava na cabeceira, usada. Fui para casa me sentindo péssima".
Beatriz*, 22 anos, de São Paulo (SP).
"Tirei e você nem percebeu. Viu como não tem problema?"
"No começo de 2013, eu saía com um cara há um mês. Sempre fiz questão da camisinha. Ele falava aquela clássica frase 'eu não sinto tanto prazer com ela', mas usava porque eu pedia. Até que um dia estávamos transando e quando terminamos ele riu e falou 'tirei a camisinha e você nem percebeu. Tá vendo como não tem problema para você?'. Eu fiquei completamente sem reação. Não só ele tirou a camisinha, e eu realmente não percebi que ele tinha tirado, como também gozou dentro. Eu nunca tinha ouvido falar dessa 'prática' e acabei não fazendo nada. Nem contei a ninguém. Falei para ele que tinha sido babaca da parte dele, mas ficou por isso mesmo. Eu tinha 18 anos na época".
Luciane*, 24 anos, do Rio de Janeiro (RJ).
"Camisinha sumiu, ele disse que encontrou, mas não quis falar onde estava"
"Eu tinha 20 anos e ele, 28. Estávamos no início do namoro e transávamos sempre com camisinha. Até que um dia, após a relação sexual, que inicialmente era com preservativo, percebi que a camisinha simplesmente tinha sumido, e ele havia ejaculado dentro de mim. Questionei o que havia acontecido, se ele havia tirado, se tinha sentido algo diferente. Ele negou, disse que não tinha percebido que estava sem e que não fazia ideia do que tinha acontecido. Começamos a procurar por tudo, nenhum sinal dela. Pensei que pudesse ter ficado dentro de mim, corri desesperada pro banheiro para procurar, mas não encontrei. Voltei para o quarto, e lá estava ele com a camisinha na mão dizendo que havia encontrado, mas não me contou onde estava. Mas para mim não fazia sentido, nós procuramos por tudo, pelo chão, na cama, embaixo da cama, levantamos lençóis e sacudimos levantamos travesseiros. Eu tinha certeza que se ele estivesse falando a verdade, em algum lugar ela tinha que estar. Uma camisinha não some assim no meio da relação".
Márcia*, 31 anos, de Rio Grande (RS)
"Tirei para te sentir melhor, porque você é muito gostosa"
"Conheci um cara no Tinder. Conversávamos todos os dias por dois meses por mensagem, até que um dia nossas agendas coincidiram e marcamos um encontro no meu bar de confiança. Fui toda cuidadosa, bebi pouco, conversamos sobre tudo e ele foi muito legal. Tive vontade de ir para a casa dele para continuarmos a noite. Quando começamos a transar eu tive a iniciativa de pedir para ele colocar a camisinha e ele nem reagiu, fez como eu pedi, checamos tudo.
Poucos minutos depois, trocamos de posição, até então eu estava de costas para ele, e nesse momento eu olhei e o vi sem camisinha. Meu coração gelou. No meu último relacionamento eu tive um episódio em que a camisinha se perdeu dentro de mim. Na hora, já perguntei da camisinha, sentei na cama e olhei ao redor pensando que não havíamos percebido quando ela saiu, enquanto isso introduzi um dedo em mim para saber se ela estava lá. Quando o olhei, ele tava rindo e me perguntou: 'Você acha que está aí dentro? Relaxa'. Ele sentou no meu lado, me abraçou e disse de uma forma tranquila: 'Eu tirei para te sentir melhor, porque você é muito gostosa'. Eu fiquei tão desconcertada com tudo que fui desvencilhando, enquanto ele continuava rindo. Em silêncio, peguei minhas roupas, disse que tava tarde e que queria ir embora. Eu liguei para o meu melhor amigo e conversamos o resto da madrugada, foi quando ele me contou que eu tinha sofrido uma violência, por ter sido uma violação do meu corpo. Chorei a noite toda, me culpando".
Ligia*, 25 anos, de São Paulo (SP).
Prática é crime, mas poucos sabem disso
Especialistas explicam que o "stealthing" pode ser enquadrado como crime pelo Código Penal brasileiro pelo artigo 215, que fala sobre violação sexual por meio de fraude: "Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima".
A advogada Marina Ruzzi, da Braga & Ruzzi Sociedade de Advogadas, que atende especificamente mulheres, explica que o ato de tirar o preservativo sem o consentimento da pessoa pode ser uma violação sexual, e que perfurar a camisinha propositalmente também se enquadraria em dissimulação. Entretanto, ela avalia que, desta forma, não chega a ser estupro.
"No caso do 'stealthing' o que a gente tem é uma fraude, porque esse tipo penal pressupõe que houve alguma falha, uma enganação por parte da pessoa para que ela consentisse à prática sexual", afirma. Para enquadrar o caso em estupro, Ruzzi diz que é necessário haver algum tipo de agressão e não consentimento do ato sexual em si.
A juíza Teresa Cristina Cabral Santana, da Comesp (Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo), também ressalta que, caso a vítima contraia alguma IST (infecção sexualmente transmissível), ela também pode enquadrar o crime no artigo 130 do Código Penal: "Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado".
"Digamos que o parceiro saiba que é portador do vírus HIV. Isso tornaria ainda mais necessário o uso do preservativo. Aí, além da fraude sexual, teria também o perigo de contágio", diz.
Ruzzi explica que, nesses casos, a mulher pode denunciar. "Ela deve ir à delegacia fazer o boletim de ocorrência -- a gente sempre recomenda que ela vá à Delegacia da Mulher, se tiver na cidade. Lá, eles vão abrir o B.O. e vão dar início às investigações. Não precisa de advogado, mas ela pode contratar assistência judicial para que o inquérito flua de forma mais preparada".
"Ela também pode ter que fazer exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal. O exame normalmente sai inconclusivo porque precisa ter sido muito agredida para ter vestígios mais óbvios. O fato de ser inconclusivo não significa que não é uma prova". Santana também recomenda que tudo que possa ser considerado prova seja guardado: "É importante que tudo seja preservado para ser levado à perícia: roupas, camisinha, toalha, qualquer coisa que tenha sido usado no ato".
Ambas dizem que, apesar de haver denúncias, muitos ainda não sabem que o "stealthing" é crime. "É importante fazer a denúncia porque ela funciona não só como uma forma de evitar que esses fatos se repitam, mas também para proteção dessas mulheres, pra que elas recebam a profilaxia de emergência", afirma Santana.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.