Mulheres são mais abandonadas por parceiros quando adoecem; veja histórias
Em maio de 2015, Priscila Bifi de Abreu, 49 anos, recebeu o diagnóstico de um tumor na mama. Na época, estava em um relacionamento de sete anos, e dividiu a notícia com ele. "Esperava apoio para enfrentar o tratamento, mas isso não aconteceu. Ele foi se afastando e percebi que não queria mais saber de mim", diz. Para ela, que já estava fragilizada com a doença, a reação a fez repensar o relacionamento. "Dei uma intimada nele, que preferiu recuar. Ele até me bloqueou nas redes sociais e demonstrou muita frieza".
O que aconteceu com Priscila não é um caso isolado. Uma pesquisa realizada pelas universidades de Stanford e Utah e pelo Centro de Pesquisa Seatle Cancer Care Alliance, todos dos Estados Unidos, indicou que a mulher tem seis vezes mais chances de ser abandonada pelo marido após a descoberta de uma doença grave. De acordo com Amanda Batista Karani, oncologista clínica do Hospital Beneficência Portuguesa Mirante, no dia a dia é possível constatar que as mulheres enfrentam mais esse problema de abandono. "Os homens têm mais dificuldade de enfrentar algo que sai fora do controle", diz.
A oncologista alerta que esse tipo de atitude pode interferir no tratamento: "Pode atrapalhar o enfrentamento da doença e deixar a mulher mais debilitada emocionalmente". Maria Celia Pereira de Lira, 45 anos, não teve apoio do marido quando recebeu o diagnóstico do câncer de mama, em 2016. Ela lembra que teve uma crise de choro e a saída que encontrou foi se apegar a vários rituais religiosos: mantras, hinos de louvor, velas e incensos. "Ele dizia que eu estava maluca e, certa vez, após uma sessão de quimioterapia, foi muito insensível, falou que eu era covarde e só ficava rezando".
Maria Célia ficou em tratamento por cerca de oito meses e, no início, ele a acompanhava. "Mas era tanta má vontade que pedi para não ir mais", fala. Nessa fase, ele acabou terminando um casamento de 18 anos. "Nunca tive apoio, portanto, ele estando presente ou não, dava na mesma." Mas ela reforça que não foi nada fácil passar por tudo --doença e separação-- e precisou contar com a ajuda de outras pacientes para se fortalecer e reagir.
O abandono deixa marcas profundas
Apesar de muitas mulheres conseguirem reagir ao impacto do abandono, não é fácil. "Sempre que eu via um homem acompanhando a esposa na quimioterapia, caia no choro. Queria ter alguém ali comigo também", diz Priscila. Segundo Kamila Panissi, psicóloga do Instituto de Prevenção do Hospital de Amor, ligado ao Hospital de Câncer de Barretos, cada paciente tem uma maneira de reagir às situações. "É preocupante porque tem paciente que consegue superar bem a situação, outras têm mais dificuldade".
A ativista e paciente curada de câncer de mama, Flávia Flores, responsável pelo Instituto Quimioterapia e Beleza, conta que ser abandonada pelo namorado foi um choque: "Após a cirurgia [mastectomia para a retirada das duas mamas e reconstrução], ele me bloqueou no Facebook, não respondia mais meus telefonemas e mensagens." Nesse período, Flávia contou com o apoio da família e percebeu, nas sessões de quimioterapia, que os homens em tratamento sempre tinham uma mulher para acompanhar e segurar a mão deles; já as mulheres também contavam com outra mulher como acompanhante, geralmente uma mãe, amiga, filha ou irmã.
"Apesar de acontecerem muitos casos de abandono, existem relacionamentos considerados saudáveis que acabam por se fortalecer diante do diagnóstico de uma doença", diz Kamila.
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