Gibson Girls: primeiras mulheres modernas eram como donzelas feministas
Entre o final do século 19 e o início da Primeira Guerra Mundial (1914), período conhecido por Belle Époque (Bela época, em francês) o mundo estava em ebulição devido a uma série de profundas mudanças sociais, tecnológicas e culturais. O direito ao voto feminino, a invenção dos cabarés, do cinema, do carro e as viagens de navio a vapor, para citar alguns exemplos, eram acontecimentos modernos que inspiravam na sociedade novas percepções da realidade.
No universo das artes e da literatura, havia o desejo de romper com o passado, a cidade de Paris havia se firmado como point das novidades e do divertimento e, com a alta costura fazendo sucesso entre as mulheres, eis que aparecem também as primeiras revistas femininas e de moda, como Harper's Bazaar (1867), Vogue (1894) e Women's Wear Daily (1910).
Nesse cenário surge a Gibson Girl: "A personificação da mulher ideal, criada pelo ilustrador americano Charles Dana Gibson, na virada do século. Foi a mais conhecida das representações das confiantes jovens americanas", explicam as pesquisadoras e historiadoras Valerie Mendes e Amy de la Haye no livro "A Moda do Século 20".
Das páginas de revistas para as ruas
Charles Gibson, que também era editor da revista norte-americana Life, viveu em um período que 88% dos assinantes de revistas e jornais eram do sexo feminino e, atento ao crescimento das "novas mulheres" (termo popularizado na época para descrever jovens feministas, educadas e de carreira independente na Europa e nos Estados Unidos), teve a ideia de ilustrar nas páginas um modelo romântico de estilo de vida e de beleza inspirado nelas.
Não demorou muito, a moda pegou e, como muitas mulheres faziam parte da comunidade artística, vários editores de meios impressos passaram a contratá-las para criar ilustrações que retratassem o mundo sob a perspectiva feminina. "As Gibson Girls eram independentes e representavam coragem e força. Fisicamente, eram longilíneas e tinham traços delicados, cintura fina, boca e nariz pequenos, mas olhos grandes e expressivos. Se vestiam elegantemente, com uma pitada de estilo amazona", observa Maria Alice Ximenes, doutora pelo Instituto de Artes da Unicamp e coordenadora do Curso Têxtil e Moda da Fatec, unidade Americana.
Precursoras das mulheres modernas
As Gibson eram encaradas pelos rapazes como jovens instigantes, dominadoras, mas difíceis de conquistar. Já milhares de garotas que copiavam suas roupas e seu porte viam-nas como figuras admiráveis. Os pais e os mais velhos eram os que simpatizavam menos. "Eram recebidas como uma ameaça e afronta à educação e à cultura do período. Muitas vezes, pela impossibilidade de serem controladas, jovens com esse perfil eram enviadas para internatos. Seus hábitos eram muito contrários ao das 'boas-moças' da época", explica Ximenes.
As Gibson Girls, quando não necessariamente compromissadas com ideais feministas, explica Martha H. Patterson em seu livro "Além da Garota Gibson: Reimaginando a Nova Mulher Americana": "Sinalizavam sua posição sobre avanços tecnológicos, reformas sociais e igualdade política, cultura do consumo e defesa dos direitos dos negros, dos imigrantes e dos homossexuais".
Eram jovens a par de tudo ao seu redor, uma vez que faziam parte de rodas de intelectuais, clubes aristocráticos e escolas de arte. Nos momentos livres, viajavam, liam livros de diversos assuntos, engatavam romances para se livrar do tédio, praticavam esportes e iam à praia sozinhas.
Exemplos na cultura popular
Das revistas para os livros, em "Drácula", de Bram Stoker (1897), as duas personagens femininas principais, Mina Harker e Lucy Westenra, discutem seus papéis na sociedade e até falam da possibilidade de a "nova mulher" poder se casar com vários homens ao mesmo tempo.
Os exemplos mais recentes, no cinema, são as jovens cultas, atraentes e independentes, Karen Blixen, de "Entre Dois Amores" (1985), Rose, de "Titanic" (1997) e Jane Porter, que apareceu em várias adaptações das histórias de Tarzan, a última A Lenda de Tarzan (2016). Karen, como Jane, são típicas donzelas em perigo que acabam se transformando em mulheres fortes, aventureiras e craques em situações de sobrevivência na selva africana.
"Já Rose é uma Gibson Girl perfeita, não só na maneira de se vestir, pois também é contrária às imposições ditatoriais do período, como o casamento forçado. Em comum, todas elas representaram força e comportamento empoderado para muitas mulheres e inspiram até hoje. Particularmente, penso que precisamos de mais Gibson Girls", finaliza Maria Alice.
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