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Pausa

Pare, respire e olhe o mundo ao redor


Ela teve perna amputada devolvida numa sacola e hoje encara isso com humor

Gustavo Frank

Da Universa

26/03/2019 04h00

Estava eu, navegando pelo Facebook, quando me deparei com várias fotos do enterro de uma caixa de papelão em um post de um grupo. Com as imagens, havia um textão, que começava com um aviso: "vou contar a minha história, mas não problematizem nem reajam com triste".

Enterro da perna - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Enterro da perna 2 - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

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Entre os comentários, dois "tipos" se destacaram à primeira vista.

Os que estavam rindo, mas com respeito, como o Edirlei e muitos outros:

Comentário - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook

E o da Hariany, que me fez sentir contemplado:

Comentário - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook

A história, considerada por muitos integrantes como a "melhor tour" do grupo, é da Vanessa Valle, que tem 29 anos, é professora de inglês e mora em Tucuruí, no Pará, onde sofreu o acidente de moto que daria início a tudo.

Essa é a Vanessa, toda diva na formatura da irmã dela:

Vanessa - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

"Em maio de 2015, estava saindo do meu trabalho quando sofri um acidente de moto num cruzamento. Um carro não respeitou a sinalização e bateu em mim. Eu estava de moto e acabei com a perna machucada, com fraturas expostas. Aqui não tem recurso, o hospital não tinha o equipamento necessário e me transferiram para Belém para salvar a minha perna", conta Vanessa à Universa.

No hospital, Vanessa passou por uma cirurgia de 16 horas para tentar salvar o membro, sem sucesso. A história poderia começar a comover até que a professora, cheia de bom humor, interrompe.

"Bem 'Grey's Anatomy'. A própria Arizona, mas sem todo aquele drama, sabe?", compara Vanessa à personagem da série médica que, assim como ela, também teve um de seus membros amputados.

Depois de acordar da cirurgia, Vanessa percebeu toda a sua família bem agitada e seu irmão, entre todos os outros, o mais desesperado. Foi quando ela foi avisada de que a parte amputada da sua perna havia sido devolvida pelo hospital -- em um saquinho plástico de supermercado para justamente o parente mais apavorado.

Aí começaram as "As aventuras e desventuras da perna", como a mãe de Vanessa se refere à história. Colocaram o membro no porta-malas do carro e foram à delegacia para registrar um boletim de ocorrência contra o hospital -- mas foram informados pelos policiais de que não havia nenhuma irregularidade e, portanto, nada que justificasse um B.O. --, e pensaram no que poderia ser feito com ela.

Que os jogos comecem!

"Pensamos em jogar no lixo, mas não podia. Se alguém achasse, pensaria que uma pessoa tinha sido esquartejada. Abririam investigação, toda aquela coisa, achando que alguém tinha morrido. Imagina, todo mundo divulgando uma perna desaparecida?", ri.

Além de jogar no lixo, atear fogo em meio a pneus, enterrar na casa de um desconhecido e entregar para uma faculdade de medicina foram as soluções cogitadas. Todas sem sucesso. Principalmente a última: a perna foi rejeitada pela instituição de ensino porque estava muito destruída.

"Meus amigos brincam que eles são mais rejeitados pelos crushes do que minha perna pelos pesquisadores", diz Vanessa.

Se identificou?

A solução para a perna foi encontrada por uma amiga da família: ela tinha um conhecido que trabalhava como coveiro.

"Vamos ao cemitério para conversar com ele!"

Chegando lá, o coveiro topou fazer o enterro da perna pela pechincha de R$ 100 na área reservada aos indigentes. Vanessa chegou a orçar o mesmo procedimento nas funerárias e descobriu que teria de pagar cerca de R$ 6 mil.

E lá se foi a perna...

Enterro da perna - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

"Fiz uma economia maravilhosa, né? Minha mãe brinca: 'Ainda bem que não fez lápide. O que a gente ia colocar lá? 'Aqui jaz a perna da Vanessa'. Eu nunca ia fazer isso, vai que chama o resto do corpo'", relembra a professora, que brinca sobre ter o "pé na cova" e ser chamada de "Tia Pernessa" e "Cibonessa" (ciborgue + Vanessa) pelos sobrinhos.

Hoje, com uma prótese que ganhou por meio de um sorteio do Facebook com a ajuda dos membros do grupo em que compartilhou sua história, Vanessa rejeita qualquer piedade pela sua história.

"Na época, foi muito difícil, traumatizante e tem muita gente que está julgando sobre fazer piada hoje. Mas errado é ficar sofrendo a vida inteira por algo que já passou e não vai mudar. O que aconteceu comigo não volta atrás, então tento usar minha história para conscientizar. Se eu puder ajudar nesse sentido e fazer as pessoas rirem, está maravilhoso!", conclui.

Vanessa - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Vanessa recebendo sua primeira prótese, em outubro de 2016, após o sorteio feito no Facebook
Imagem: Arquivo Pessoal

Vanessa - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Após a repercussão e boatos sobre fake news, Vanessa foi visitar o local em que a enterrou com a cerveja na mão
Imagem: Arquivo Pessoal