"Sou bailarina e, depois do câncer, foi difícil me ver sem seios e careca"
Veruska Carajeleascow, 41, de Santo André (SP), está acostumada a trabalhar com o corpo: bailarina, modelo e professora de dança, sempre foi uma pessoa muito ativa. Mas, em 2014, teve de reaprender a lidar com seu corpo após descobrir um câncer de mama agressivo. A quimioterapia a deixou careca e ela passou por diversas cirurgias para reconstruir os seios.
Quatro anos depois, recebeu a notícia de que tinha um tumor no útero. Durante os tratamentos e as cirurgias, precisou parar de dar aulas. "Tenho mais medo de parar de dançar do que de morrer", diz. Hoje, já recuperada e confortável em sua pele, ela conta sua história à Universa:
"Comecei a dançar com dois anos de idade, quando entrei numa sala de balé. Nunca tive dúvidas da minha profissão. Sempre disse que seria professora de dança. Fiz faculdade de educação física e segui na zumba, no balé clássico, no jazz, sapateado e dança técnica.
Recebi o diagnóstico de câncer de mama em julho de 2014, tinha 36 anos, e faltavam 15 dias para meu aniversário. Foi muito difícil porque, na época, eu era modelo também e tinha acabado de fazer um trabalho na área. Descobri que eu estava com câncer de grau três, agressivo e já em um estágio avançado. Eu teria que fazer oito ciclos de quimioterapia e 28 de radioterapia.
A pior notícia para mim foi quando a médica disse que eu não poderia dançar, porque eu não aguentaria. Ela me falou que tinham vários quimioterápicos, e o que eu teria que usar no tratamento era o mais pesado de todos. Eu era muito forte, tinha um bom físico, por isso eles decidiram usar essa quimio, para diminuir o tumor logo e só depois destes ciclos eu poderia fazer a cirurgia.
Mas eu dei um jeitinho. Eu estava começando a dar aulas de zumba, e eu colocava DVDs de aulas de dança em casa. Eu não queria engordar, que era um efeito colateral do tratamento. Em casa, eu dançava um pouco e aí sentava. Quando eu conseguia dançar uma música inteira, era uma vitória.
No outubro rosa daquele ano, fazia três dias que eu tinha feito um ciclo de quimioterapia. Estava meio fraca, mas me convidaram para participar de um evento na academia onde eu dava aula e eu decidi dançar uma música de zumba. Eu consegui, foi ótimo, mas passei mal depois da dança. Fui ao hospital e o médico ficou inconformado. Eu falei para ele 'eu sei que estou fazendo um tratamento, mas hoje foi o melhor dia da minha vida'.
Fui abandonada pelo meu antigo namorado, que terminou comigo durante a radioterapia, não aguentou o tranco. Eu não julgo, é difícil de aguentar um parceiro em tratamento.
Fiquei afastada das aulas por um ano, porque o tratamento foi bem pesado e eu não podia ter muito contato com as pessoas, por conta da imunidade baixa. Cheguei a pesar 49 kg. Eu retornei quando eu estava na radioterapia, com 52 kg, e meus alunos achavam que eu ia desmaiar. Terminei o tratamento só em 2016.
Chorei quando me vi careca e com o peito deformado
Quando a oncologista disse que meu cabelo ia cair, eu achei que ficaria tudo bem, apesar de ser uma fase difícil. Eu sou uma bailarina, dançarina. O cabelo e a mama são muito fortes para a imagem da mulher. Antes, eu era uma mulher bonita, loira, com porte de modelo e cabelos longos.
Minha médica avisou que meu cabelo só cairia no segundo ciclo, mas meu organismo aderiu ao tratamento logo de primeira. Passei a mão na cabeça e caiu uma mecha inteira, 15 dias depois da primeira quimio. Liguei desesperada para a médica, e ela me avisou que, na verdade, isso era um bom sinal. Depois disso, marquei a cabeleireira e pedi para ela raspar de uma vez.
Cheguei no salão e, conforme ela foi passando a mão no meu cabelo, as mechas foram saindo todas, como se fosse uma peruca. Na hora de raspar, foi igual a cena da novela 'Laços de Família'. Quando cheguei em casa, me tranquei no banheiro e chorei por duas horas. Depois, me olhei no espelho e falei para mim mesma, decidida: 'Já chorei o bastante. Não vou mais chorar por causa do cabelo'.
Conheci meu atual namorado numa zumba durante o Outubro Rosa, eu já estava careca. Ele me amou de verdade, porque ele gostou de mim para além da minha aparência.
Depois do tratamento, vieram as cirurgias. A primeira foi a mastectomia total e a retirada dos gânglios das axilas. Na mastectomia, também optei por já fazer a reconstrução com uma prótese provisória. Passei o período da radioterapia com essa prótese, para me adaptar. Um ano depois, tirei-a e coloquei a definitiva, e aproveitei para igualar o tamanho dos seios.
Essa parte também foi péssima, especialmente na reconstrução. Eu estava careca, magra e com o peito deformado. Chorei horrores, mas fiz o mesmo processo do cabelo: já me lamentei o suficiente, chega.
Acabei tendo problemas com a prótese definitiva, então passei por uma cirurgia nova e coloquei uma prótese que é enchida por uma válvula. Essa parte foi muito difícil para mim, porque a prótese teve que ficar vazia por um tempo. Foi a primeira vez que eu tive que me encarar sem os seios.
Todo mês, eu ia ao médico para que ele enchesse um pouco a prótese, e isso durou seis meses. Tentei retirar a válvula, mas não deu certo. Tenho-a até hoje. Ela já não me incomoda mais. Agora, meus seios estão do tamanho certo e não preciso mais encher. Hoje, com roupa, ninguém nota nada. Sem roupa, tenho as marcas da radioterapia e não refiz a auréola.
Novo câncer, nova cirurgia, nova superação
Em 2018, detectaram que eu tinha alguns nódulos e um pequeno tumor no útero. Como o câncer da mama foi muito agressivo, os médicos decidiram fazer uma histerectomia. Na biópsia, descobriram que os nódulos e o tumor eram benignos.
Eu não tenho medo da doença, e nunca me perguntei o porquê que isso tinha acontecido comigo. Minha preocupação era 'o que eu vou fazer daqui para frente?'. Eu não tenho medo da morte também, apesar de eu ter quase morrido. Quando eu estava passando mal e com dor, eu tentava me imaginar num palco, para aliviar.
Quando voltei a dar aulas, estava muito magra, mas voltei a treinar. Ainda tomo medicação pesada para bloquear meus hormônios e não ter reincidência do câncer, mas recuperei o corpo que eu tinha.
Minha médica mesmo disse que isso pode acontecer com qualquer um. Hoje, tenho uma vida normal e não me privo de nada. O câncer se tornou só uma história. Dou palestras sobre câncer de mama para ajudar outras mulheres e participo de campanhas de prevenção. O palco é a minha vida, a dança e as aulas fazem parte de mim. É daí que eu tiro força".
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