Ex-bancária ensina autoconhecimento após enfrentar vários dramas familiares
Se hoje a paulista Heloísa Capelas, 62, é autora de dois livros sobre autoconhecimento e, no Brasil, diretora do Centro Hoffman, onde ministra programas de desenvolvimento humano e reeducação psicoemocional reconhecidos pelas Universidades da Califórnia e Harvard, nos Estados Unidos, no passado, ela era uma bancária estressada, com baixa autoestima e frustrada como filha, mãe e mulher.
"Muita coisa precisou acontecer até eu começar a percorrer o caminho do autoconhecimento. Mas, antes, preciso contar um pouco da minha infância. Eu fui uma criança muito criativa, falante, extrovertida e imaginativa. Meus pais, por sua vez, embora me amassem muito, eram pessoas fechadas, exigentes, rígidas e autoritárias. Para meu pai, brincadeiras que envolvessem cantar, dançar, me apresentar e aparecer de alguma forma estavam erradas e nós -- meus irmãos e eu --, tínhamos era de crescer e viver uma vida completamente ordinária. Quanto menos atenção chamássemos, melhor.
Tudo o que eu vivi na infância, principalmente essa sensação de que meu 'jeito de ser estava errado', me acompanhou a vida toda. E, como eu também passei a acreditar nisso, afinal era um pensamento que tinha ficado incutido na minha memória de infância, eu fazia de tudo para provar aos meus pais e a mim mesma que eu tinha valor e merecia ser amada.
Reflexos da infância na fase adulta
Eu cresci levando exatamente a vida que meu pai projetou para mim. Consegui um emprego concursado num banco, trabalhava incansavelmente e só saí de casa quando me casei. As coisas começaram a sair do rumo quando estava grávida da minha segunda filha, e a minha outra, de apenas 1 ano e 8 meses, passou a ter convulsões e adquiriu uma deficiência mental. Os anos que se passaram foram os mais difíceis possíveis. Eu, que tinha projetado para mim uma vida feliz ao lado do meu marido, que sonhava desde o início em ter quatro filhos saudáveis, que nutria um desejo imenso de ser uma mãe melhor do que meus pais tinham sido, de repente, estava ali, impossibilitada de dar conta daquele cenário completamente inesperado e sofrível.
Depois disso, meu marido e eu fomos aos melhores médicos do Brasil e do mundo, fizemos orações, simpatias, enfim, tudo o que existia disponível e que pudesse oferecer a mínima possibilidade de cura e explicação, nós buscamos. Mas nada adiantava, o que só alimentava a nossa frustração e impotência.
O resultado disso foi um cansaço extremo e uma angústia irreversível. Nosso casamento ficou devastado, ainda mais porque ele é pediatra e eu não aceitava o que ele dizia, assim como acontecia com todos os meus relacionamentos -- com pais, irmãos e amigos. Eu havia me tornado uma pessoa chata, autoritária, dona da verdade, irritável, agressiva e desconfiada das pessoas. Tinha tantas críticas a meu respeito que brigava comigo mesma. Eu nunca sabia como seria o próximo dia e aquilo estava acabando comigo.
Minha autoestima estava lá embaixo e, compulsivamente, eu entrava num ciclo vicioso. Eu só queria dar uma vida absolutamente normal à minha filha, mas, como não era possível, me enchia de frustração. E se a raiva, naturalmente, contrai os músculos, imagine o que acumulada não faz? As pessoas ficam, além de física, também emocionalmente trancadas. Eu gritava de chegar a ficar rouca de tanto nervoso.
Precisei e ainda preciso de treino
Vivi dez anos conturbados, até que em 1992, depois de fazer um voluntariado de três meses com adultos deficientes, fui apresentada ao processo Hoffman, um treinamento de sete dias que ministro hoje no Brasil e está baseado em quatro inteligências que sintetizam nossa principal constituição: intelectual, emocional, espiritual (ou intuitivo) e corporal (ou físico) -- embora hoje já tenha sido mapeada uma diversidade maior. Ali, naquele curso, eu tive a chance de rever a minha história. De perceber como a criança que eu tinha sido ainda estava presente na adulta que eu era. E, também, pude identificar o efeito da falta de amor para comigo, meu marido e minhas filhas.
Eu precisei e ainda preciso de treino para perdoar a pessoa que um dia eu fui e oferecer a mim mesma uma nova chance. E uma coisa sempre leva à outra. Em primeiro lugar, tive de perdoar meus pais. Eu compreendi, profundamente, que eles tinham feito o melhor que conseguiam, o tempo todo. E, daí, eu tive que me perdoar enquanto filha. Eu compreendi que mesmo os tendo odiado em algum momento e desejado que eles fossem outras pessoas, aquilo não me tornava uma pessoa má.
Em seguida, tive de perdoar minha filha. Aceitei que ela não tinha culpa de ter adoecido e frustrado meus planos (o que parece óbvio, mas, inconscientemente, costuma ser muito inaceitável para as mães que, como eu, sonham com a família perfeita). E, daí, perdoei a mim mesma por não ser a mãe que imaginei me tornar um dia.
Saí do curso de autoconhecimento e fiz um planejamento, porque decidi que não podia mais levar aquela vida sem propósito que eu tinha no Banco do Brasil. Faltava alguns anos para me aposentar, mas deixei tudo para trás e me uni à equipe que, na época, aplicava o processo Hoffman. Algum tempo depois, meu marido também passou pelo curso e nós conseguimos resgatar e renovar nosso casamento. Depois, tivemos, ainda, mais dois filhos.
Felicidade não é mágica, se constrói
Todos temos uma visão infantil a respeito da felicidade, como se ela fosse mágica - quando, na verdade, precisa mesmo é ser construída. Digo isso porque, em diversas ocasiões, me perguntam se eu ainda vivo um comportamento negativo, se ainda fico com raiva.
Sim, eu fico. Muitas vezes me distraio e nem percebo. Conto para essas pessoas que possuo minhas deficiências e meus pontos fracos, mas que hoje sou muito mais feliz do que há 30 anos. E, olha, muita coisa aconteceu. Em 2012 descobri que estava com câncer. Precisei realizar uma mastectomia e vivi sentimentos que não imaginava experimentar. Meu terceiro filho teve também um câncer, aos 17 anos, e uma recidiva aos 19 anos. Fez um transplante de medula no começo de 2014 e teve alta no começo deste ano. No entanto, sou mais feliz, sem dúvida. Não quero voltar nem um dia da minha vida e tudo por causa do treino do autoconhecimento e da positividade, um exercício que me acompanha constantemente.
Essa prática faz com que eu viva a dor quando tenho dor, viva a alegria quando tenho alegria e, na soma, acredito que temos muito mais tempos agradáveis do que desagradáveis. É somente o vício de olharmos para o negativo que faz com que algo desagradável aconteça e percamos o dia, o mês, o ano, alguns de nós, até a vida".
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