"Tive câncer aos 16. Dancei com a morte e a sentir me encheu de vida"
Ana Clara Lopes, 16, tomou coragem para usar suas redes sociais e compartilhar a luta que travou contra o câncer. No Twitter, a estudante, de Poços de Caldas, Minas Gerais, chamou a atenção de mais de 60 mil pessoas com um pequeno desabafo de superação, ilustrado com duas fotos: uma anterior à descoberta da doença, com o cabelo longo, e uma durante o tratamento, em que está careca.
"Tive câncer aos 16. Sobrevivi. Impossível continuar a mesma. Chutei a moral, caguei pra vida alheia, acelerei o passo e entendi que a gente morre mesmo, a qualquer hora. Dançar com a morte, sentir seu cheiro encheu-me de vida, de coragem e de tesão", escreveu ela na publicação.
À Universa, Ana detalhou como foi o processo contra a doença e a favor de si mesma; e destacou: "não é fácil, mas eu acredito que todo mundo possa conseguir".
"Tudo começou mais ou menos em outubro de 2018. Eu senti no meu pescoço, perto da clavícula, uma íngua grande e ela nunca saía. Minha imunidade tava meio alterada nos exames de sangue, mas não concluiu nada. Nessa época, eu nem sabia sobre isso.
Ela nunca sumia e eu sabia que aquilo tava estranho. Até que depois de um tempo eu cheguei para os meus pais e falei: 'acho bom vocês me levarem para o médico porque tem alguma coisa errada comigo'. Eles ficaram impressionados, imaginaram que fosse coisa da minha cabeça. Mas era verdade. Eu falei pra eles: 'eu acho que estou com câncer'. Era um pressentimento, não sei.
Depois de muito insistir, eles me levaram. O médico achou que poderia ser um cisto, fiz um ultrassom. Aí com o resultado ele afirmou que não era um cisto, de fato, era um linfonodo. A partir daí eu já entendi o que era, mas a gente continuou pesquisando.
Depois dos exames, o médico me encaminhou para um cirurgião oncologista, então tudo estava ficando mais claro. Eu já sabia o que ia acontecer, mas sabia sem detalhes.
Com esse médico, eu fiz uma biópsia, retirei a íngua, que tava bem grande, e confirmou-se que era linfoma. Acho engraçado que quando eu fui contar para as pessoas, ninguém sabia o que era isso. Ninguém sabia o que era sistema linfático. As pessoas não se informam. É um dos sistemas mais importantes com nosso corpo, responsável pela nossa defesa e isso que tava com problema.
Fui para outra médica e ela me encaminhou para um hospital em Campinas. Eu achei que não ia ter como me encaixar, mas foi impressionante, porque eu mandei meu caso e eles já deram um jeito para me atender. O Boldrini [Centro Infantil Boldrini] virou uma casa para mim. Um lugar muito bonito, cheio de criança.
Fiz um exame e ele me mostrou que a doença estava espalhada no pescoço e no mediastino. Como tinham dois órgãos afetados, era o estágio II de IV. Então, era considerado inicial. Isso reduziu bastante o tratamento.
A sorte é que o linfoma é uma doença que tem altas chances de cura, com os tratamentos. Tive o linfoma de Hodgkin clássico. Era mais fácil de tratar.
Em dezembro, eu comecei o tratamento. Mas antes disso eu fiz vários exames, inclusive o dia que eu fiz minha primeira quimioterapia, foi o dia que mais sofri. Tive que esperar, sem comer, para fazer a biopsia da medula. Recebi a anestesia, dormi, tive duas agulhas colocadas nas minhas costas. Dói muito. Ficou a marca delas no meu corpo durante muito tempo.
Fiz seis quimioterapias com várias drogas, inclusive com cápsulas. Nesse período, eu engordei muito por causa dos corticoides.
Eu acho que quando alguém pensa em câncer, já pensa em alguém careca. E foi isso que aconteceu comigo, eu já imaginava. Isso não me abalou tanto no momento porque eu tava mais preocupada com minha saúde do que com meu cabelo.
Foi depois da segunda quimioterapia que meu cabelo começou a cair. Foi devagar, começou com poucos fios, quando eu passava a mão. Depois foi dobrando essa quantidade. Até que um dia eu fui lavar e saiu tufos enormes. Foi um dos momentos mais difíceis ver meu cabelo saindo pelas minhas mãos. Até que eu falei pra minha mãe: 'mãe, já vamos raspar meu cabelo? tá caindo muito, eu quero me livrar disso e ficar tranquila'.
Todo mundo ficou apreensivo, até que eu reuni os amigos mais próximos, peguei uma máquina e passei no cabelo. Cada um pegou um pedaço e levei isso numa boa para não ser doloroso.
Olhar no espelho no primeiro mês foi um desafio gigante. Eu acho que, no total, levei uns três meses para me acostumar com esse visual novo. Era muito diferente e isso afeta a autoestima. O cabelo é visto como um molde no rosto da mulher, então eu fiquei perdida. Não queria sair de casa, tinha vergonha.
E esses pensamentos foram mudando com o tempo. Comprei uma peruca, porque acho que as mulheres têm que ter uma peruca pra se sentir confortável.
O pior de tudo são os olhares na rua. Olhares de julgamento. 'Ela tem câncer coitada'. Eu via nos olhos das pessoas e isso doía em mim. Depois de um tempo parei de me importar e comecei a ver minha beleza de um jeito diferente.
Agora, meu cabelo está crescendo bom. Macio, rápido! É incrível porque é um recomeço, sabe? Hoje eu me olho no espelho e me vejo linda. Depois disso, eu vou deixar meu cabelo curto. Demorou para eu me acostumar, mas eu gostei.
Depois que passei pelas seis etapas, foi uma alegria. Fiz outros exames para a radioterapia. Ninguém comenta muito sobre ela. E ela foi bem pior que as quimioterapias. Sofri muito mais. Como é localizada, bem no pescoço, então minha boca ficava seca, machucada. Mal conseguia beber, tomar água. Passei o Carnaval de cama, mas eu melhorei.
Eu recebi alta e agora vou fazer um acompanhamento por uns seis anos. Tinha um pouco de medo de falar sobre isso para as pessoas. Inclusive na minha cidade não comentei muito. Só que um momento passou pela minha cabeça: 'e se eu fizesse um post sobre? Ajudaria outras pessoas?'. Então usei o Twitter para isso. Resolvi ter coragem de postar uma foto minha careca, no meio do tratamento, e uma normal. Foi impressionante porque eu achei que esse post ia ter no máximo umas 500 curtidas, mas, nossa, disparou. Fico feliz por isso, porque foi um motivo bom, muita gente compartilhando carinho. Mandando parabéns, forças. Muita gente compartilhando seus casos. Recebi tanta mensagem que não consegui responder todas.
Esse momento agora é de muita reflexão, de valores, de tudo. Quero poder sempre ajudar as pessoas com isso. A terem fé e passarem por isso com positividade. Não é fácil, mas eu acredito que todo mundo possa conseguir."
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