"Passei 20h no chão do hospital, com minha filha desfalecendo no colo"
Cassia Buarque tem 23 anos, é casada e mãe de Alice, de 3 anos. O noticiário recente, como o caso da mãe que passou 11h no hospital com o filho, esperando por internação em Goiânia, mexeu com ela. Cassia teve uma história bem parecida em Alagoas, onde vive, quando a filha tinha 9 meses. A dela, felizmente, teve um final menos trágico.
Atualmente desempregada, a operadora de call center conta a noite de pesadelo que viveu na emergência do Hospital Geral do Estado (HGE), em Maceió, em 2017. Lá, ela passou 20h com a menina febril, com uma infecção grave, esperando posicionamento dos médicos.
A criança ficou todo esse tempo no seu colo e chegaram a dormir no chão. "Nesses últimos dias, vi notícias de crianças morrendo e pais chorando a perda dos seus filhos por falta de atendimento. Quando vejo isso, aquele pesadelo volta. Acredito que todas as crianças merecem um tratamento humanizado", diz. Veja seu relato.
"Minha filha hoje tem 3 anos. Quando tinha 9 meses, começou a ter febre em casa. Eu moro em Rio Largo, cidade da região metropolitana de Maceió, em Alagoas. Resolvi levar Alice ao hospital da minha cidade.
Na consulta, falei sobre a febre alta que chegava a 40 graus. O atendimento foi daquele jeito: eles simplesmente me deram remédio para febre, não fizeram exame nenhum e me liberaram. Não acreditava naquilo, mas tive que sair de lá. Em casa, ela continuou febril. Para piorar, recusava o medicamento.
Estava nervosa e preocupada e percebi que ela estava começando a ficar roxinha. Fui para Hospital Geral do Estado (HGE), em Maceió. Fiquei com medo. Lá tinha uma confusão, gente para todo o lado e não pude entrar com o meu marido. Era final da tarde. Fiquei sozinha, com a minha filha no colo. Algumas médicas jovens vieram falar comigo e eu contei os sintomas. Uma delas sugeriu que eu fizesse um exame de urina.
Fizemos a coleta e minha filha foi medicada com soro e remédio para controlar a febre. Colocaram um acesso e me devolveram o bebê para ficar no meu colo. Pensei que seria rápido, mas quando cheguei na sala de espera, vi outras mães na mesma situação.
Mesmo assim, minha filha não melhorava. O resultado do exame de urina demorou 14 horas para sair. Ela estava com uma infecção urinária grave.
Chegou um momento, em que eu só chorava. As enfermeiras só medicavam com soro e remédio para febre. Minha filha mal abria os olhos de tão fraca. Eu entrei em desespero! Comecei a andar com a menina no colo para lá e para cá.
Fui atrás de uma médica já mais velha -- essa mulher salvou a vida da minha filha, ao dar atenção para a gente. Ela solicitou a transferência para outro hospital. Eu estava com medo de perdê-la, mas até transferir foram mais seis horas de agonia vendo minha filha todo esse tempo com o diagnóstico e sem o tratamento adequado. Os funcionários andando de um lado para o outro. Pareciam que nós ali éramos invisíveis.
Tenho certeza que conseguiram a vaga no outro hospital apenas porque eu fui grossa, mas não tinha mais o que fazer. Passei uma noite com várias outras mães dormindo no chão. Eu estava suja e aquele atendimento desumano me deixava mais desesperada. Só pensava que minha filha não sairia de lá viva. Só pedia a Deus para aquela febre baixar.
Meus familiares não podiam entrar. Eu a amamentava ainda e mesmo assim me deram apenas um suco com bolacha. E só no dia seguinte. Após 20 horas na emergência, me transferiram para outro hospital. Nesse sim, fomos bem atendidas. Depois disso, ela só melhorou depois de ficar internada sete dias, num outro hospital, dessa vez particular."
Outro lado
Veja nota de esclarecimento do Hospital Geral do Estado, na íntegra:
"O Hospital Geral do Estado (HGE) informa que a usuária Alice Cristina Buarque de Deus, hoje com três anos de idade, foi atendida quatro vezes na unidade, sendo a última no dia 22 de fevereiro de 2018, às 8h36. Especificamente sobre o atendimento no dia 9 de janeiro de 2017, quando a criança estava com 9 meses de nascida, o ingresso ao hospital aconteceu às 21h55. Durante a assistência foi necessário o uso de medicações e a espera do efeito para comprovação do êxito no controle de sintomas que mereciam atenção. Ao mesmo tempo, exames laboratoriais foram realizados e o resultado disponibilizado durante a madrugada. Devido ao quadro diagnosticado, o pediatra indicou a internação na manhã seguinte, que aconteceu em um dos hospitais retaguarda do HGE, conforme prevê o protocolo da regulação de leitos.
Quanto à utilização de cadeiras na observação pediátrica, o HGE esclarece que elas são utilizadas nos períodos de intenso volume de atendimentos, que pode ocorrer a qualquer momento, no decorrer do dia.
Com relação à acomodação no chão da unidade, a prática é combatida pela gestão hospitalar, mesmo quando ocorre por iniciativa própria do acompanhante.
Sobre a suposta demora no atendimento realizado na porta de entrada da Pediatria, nenhum relato foi registrado na Ouvidoria do HGE, não sendo de conhecimento da Gerência. Vale acrescentar que o HGE é referência em Pediatria no Estado, tendo equipes de plantão 24 horas em número de servidores suficiente para a assistência infantil."
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