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"Negro ganhar o BBB é exceção. A norma é ganhar racista", diz pesquisadora

Paula Sperling foi a ganhadora do BBB 19 mesmo após falas envolvendo racismo e intolerância - Reprodução/Globoplay
Paula Sperling foi a ganhadora do BBB 19 mesmo após falas envolvendo racismo e intolerância Imagem: Reprodução/Globoplay

Aline Ramos

Colaboração para Universa

13/04/2019 19h11

Diferentemente da edição passada, que consagrou Gleici como vencedora e deixou os espectadores ligados até o último segundo, o "BBB19" foi acompanhado de forma morna pelo público, que logo entendeu que a chance de Paula Sperling vencer o programa deste ano era grande. Não foi apenas a previsibilidade e a falta de polêmicas que afetou o interesse das pessoas, mas também a forma como o reality show virou uma vitrine para diversas formas de racismo, desde o cotidiano até o religioso.

Paula venceu o "BBB19" com 61,09% dos votos e agora terá que cumprir uma agenda inusitada para uma vencedora do programa. Investigada por comentários racistas e de intolerância religiosa, ela é alvo de um inquérito aberto pela Polícia Civil do Rio de Janeiro e terá que depor em breve. Inclusive, o participante Rodrigo França, principal alvo dos preconceitos da campeã, já deu a sua versão às autoridades.

Independentemente do que vai acontecer com Paula daqui para frente, o fim do maior reality show do país abre a oportunidade para uma análise sobre o Brasil em que vivemos no momento.

Doutora em Ciência Política pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), Fhoutine Marie diz se sentir profundamente insultada por cada voto que Paula recebeu. "Na edição do "BBB" com mais pessoas negras, uma pessoa que [supostamente] cometeu crimes de racismo no ar foi perdoada publicamente e mais do que isso, premiada". Ela também ressalta o fato da vitória de Paula ter ocorrido na mesma semana em que o músico Evaldo Rosa dos Santos morreu na frente da família após ser atingido por 80 tiros disparados "por engano" em uma ação de militares no bairro de Guadalupe, no Rio de Janeiro. Para Fhoutine, "a população debocha da morte das pessoas negras como Evaldo quando tolera o racismo de Paula".

Mesmo o racismo sendo considerado um crime, ele não comove e revolta as pessoas porque está "naturalizado" na sociedade brasileira. Essa é a análise da Lia Vainer Schucman, professora do departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e autora do livro "Entre o Encardido, o branco e branquíssimo". Lia afirma que o antirracismo é a exceção no país. "Uma pessoa negra ganhar um programa como o "BBB" é a exceção. A norma é ganhar uma pessoa branca e racista, justamente porque o racismo está presente em todas as estruturas do Brasil", disse a pesquisadora.

Neste ano, a lei que tornou o racismo um crime no Brasil completou 30 anos, mas poucas mudanças ocorreram na sociedade no período, já que a questão não é levada a sério como deveria. Lia explica que, para muitos, o racismo ainda é considerado uma "bobagem" e que toda a estrutura racista do país é apoiada e legitimada quando uma pessoa como Paula vence um reality show por voto popular. "Os votos que ela recebeu representam algo que as pessoas desejam que continue em nossa sociedade: o racismo. Além disso, os votos também funcionam como uma adesão às atitudes apresentadas por ela ao longo do programa", reflete.

A dificuldade do público em entender que os comentários de Paula durante o programa são preconceituosos também é um reflexo do racismo, explica o escritor e pesquisador de narrativas africanas em diáspora, Ale Santos. Ele considera a figura de Paula um risco porque seu comportamento se aproxima às teorias do racismo científico do século 20, que viraram crenças populares. "Um dos precursores do racismo científico no Brasil, João Batista de Lacerda, não acreditava que existia diferenças biológicas entre 'raças' humanas. Porém, ele acreditava que socialmente existiam raças evoluídas e atrasadas e que isso era determinado pelo ambiente em que se desenvolveram", esclarece.

Lacerda foi diretor do Museu Nacional e presidente da Academia Nacional de Medicina. Em 1911, representou o Brasil no "Congresso Universal de Raças", realizado em Londres. Lá, compartilhou da tese de que os africanos e seus descendentes eram inferiores culturalmente se comparados aos europeus. Por isso, defendeu que o Brasil deveria passar por um processo de embranquecimento para que pudesse evoluir. "Em muitos momentos, Paula foi racista ao acreditar que o ambiente de uma comunidade ou periferia poderia interferir no caráter dos participantes negros, principalmente por frequentarem religiões de matriz africana", finalizou Ale Santos.