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Por que algumas mulheres tratam os parceiros como se fossem crianças?

Uma das intenções por trás dessa atitude é tentar moldar o comportamento ou as preferências do homem - educá-lo, como uma mãe - iStock
Uma das intenções por trás dessa atitude é tentar moldar o comportamento ou as preferências do homem - educá-lo, como uma mãe Imagem: iStock

Heloísa Noronha

Colaboração com Universa

15/04/2019 04h00

A lista pode ser longa e, é claro, variar conforme o perfil de cada casal. Mas algumas das atitudes mais comuns entre as mulheres que costumam infantilizar o parceiro são:

- Montar o cardápio conforme o agrado dele, servi-lo e retirar o prato dele após as refeições;
- Comprar, escolher e arrumar as roupas e objetos pessoais dele no armário;
- Fazer a mala de viagem do par;
- Arrumar as coisas que ele deixa espalhadas pela casa;
- Agendar e acompanhá-lo nas consultas médicas, administrar os medicamentos no horário prescrito, gerenciar a 'pastinha' de exames e bancar a "porta-voz" ao descrever os sintomas da doença ao médico;
- Encarar tarefas de casa e cuidados dos filhos como atribuições exclusivas e a eventual participação do parceiro como um "favor", não como parte da divisão nas obrigações domésticas;
- Priorizar os sonhos, a carreira, as necessidades e os interesses do companheiro;
- Argumentar em defesa do homem quando alguém o critica ou a critica pelo estilo de relação infantilizada;
- Tratar o cara sempre no diminutivo, como se ele fosse criança;

Deu para pegar o espírito da coisa, certo? Nem sempre, é bom lembrar, essas ações femininas acontecem de forma consciente ou proposital. No entanto, mais importante do que especular se esse comportamento reproduz ou não ecos de uma educação machista, que sempre atribui à mulher o papel de cuidadora, é preciso compreender o que a conduta revela sobre a pessoa e os mecanismos do relacionamento.

De acordo com Luciano Passianotto, psicoterapeuta e terapeuta de casal, de São Paulo (SP), existem basicamente dois perfis de mulheres que tratam o par como um filho.

"O primeiro engloba as mulheres imaturas e infantilizadas, que buscam 'puxar' seus parceiros para uma relação dentro de seus mundos infantis, onde se sentem mais confortáveis. Já o segundo grupo reúne aquelas que se posicionam como mães, buscando, mesmo que inconscientemente, as vantagens que enxergam em uma relação mãe-filho", conta.

Há várias intenções --nem sempre conscientes, vale repetir-- por trás das atitudes. Uma delas é tentar moldar o comportamento ou as preferências do homem --educá-lo, como uma mãe. Outra é a crença condescendente de que o parceiro não é capaz de realizar certas tarefas, ao menos não tão bem quanto ela. Outro intuito é minimizar o potencial das discussões.

"A falta de habilidade para lidar com situações de conflito pode levar a mulher a infantilizar o outro como uma defesa contra a agressividade em brigas", pontua Luciano.

Quando há tensão sexual mal resolvida, a infantilização pode ser uma forma de sabotar o erotismo entre o casal. A insatisfação ou repulsa à intimidade sexual com o parceiro ou no contexto da relação pode levar algumas mulheres a usar desse artifício para diminuir investidas sexuais. E, ainda, é preciso considerar que algumas mulheres podem tentar infantilizar seus parceiros com a intenção de trazê-los para seus mundos infantis, onde elas se sentem mais confortáveis e seguras.

O papel do homem

Segundo Mara Lúcia Madureira, psicóloga especializada em terapia cognitivo-comportamental, de São José do Rio Preto (SP), qualquer relação é mantida por um acordo tácito, ou seja, pela conivência das partes. Homens que não aceitam este tipo de tratamento não permanecerão em relações maternais por muito tempo. Geralmente, como são emocionalmente maduros, não suportam o controle excessivo nem o tratamento abusivo e encerram a relação.

"Porém, há muitos que compactuam com a postura da parceira e permanecem no relacionamento por conta da ambivalência de sentimentos. Se por um lado o homem não gosta de ser tratado como garoto, por outro revive com a com a mulher a continuidade da relação com a mãe, o que envolve algum prazer relacionado ao campo afetivo primitivo", explica.

Em circunstâncias normais, a primeira referência feminina internalizada na mente humana é a figura materna. Homens criados por mães superprotetoras, em geral, se tornam adultos emocionalmente vulneráveis e buscam uma companheira que cumpra o papel maternal na vida deles, acalentando, assim, a sensação de estarem protegidos.

Na opinião da psicóloga e psicanalista Priscila Gasparini Fernandes, de São Paulo (SP), é uma situação confortável, onde há um cuidado, uma preocupação, um zelo excessivo. "Não são cobradas responsabilidades nem limites. Tudo é feito para o parceiro, que se acomoda na situação pois tem um comportamento egocêntrico e gosta de ser paparicado", conta.

"Muitos homens pulam da casa da mamãe direto para o colo de uma mulher que os mima. Entretanto, mesmo os mais independentes, como qualquer humano, não ligam de ser paparicados. O problema é quando eles se acomodam nessa posição sem enxergar o preço desse mimo e a relação começa a gerar conflitos", confirma Luciano.

O preço de tanto cuidado

Não é raro que o comportamento "materno-controlador", mais cedo ou mais tarde, se volte contra a mulher que o impõe. Para Mara Lúcia, com o tempo, haverá um estresse por parte da mulher pela sobrecarga em cuidar e vigiar, como se fosse mãe de uma criança, sem jamais se priorizar, e por parte do homem por não se sentir adequado aos olhos dela.

Adultos tratados como crianças regridem, passam a agir de modo infantilizado emocionalmente e desafiam suas mulheres como faziam na infância com as mães --ao menor descuido aprontam alguma "arte" e se aborrecem com a vigilância e controle. No entanto, gostam da sensação de saber que alguém zela por eles. O resultado dessa ambivalência é o permanente conflito, regressão da relação conjugal para mamãe e bebê e distanciamento sexual.

Ao confundirem a natureza da relação com o par, tanto a mulher quanto o homem perdem a atração sexual. Sentir "tesão" pela mãe ou pelo filho é incesto, um sentimento condenável, o maior tabu da humanidade. Desse modo, o desejo sexual é direcionado a pessoas que não representem ou invoquem figuras parentais.

"Parece ilógico uma mulher esperar ser tratada e desejada como amante quando se coloca no papel de mãe ou desejar tratamento igualitário e respeitoso quando ela própria encarna a serviçal da relação", pondera a terapeuta.

Já Priscila chama a atenção para o fato de que esse relacionamento disfuncional acaba afetando toda a família, quando existem crianças na jogada. "Se a relação fica infantilizada, os filhos acabam sem ter as figuras de pai e mãe, tornando-se irmãos dos próprios pais, o que não é saudável mentalmente", declara.

Negociação de limites

Para quebrar esse padrão, o terapeuta de casal Luciano explica que o homem precisa ser assertivo ao esclarecer seu desconforto com a situação. "Ser repetitivo ou agressivo não funciona. Ele deve negociar limites considerando sua individualidade dentro do relacionamento. Já a mulher precisa estar atenta para que algo que considera positivo para ela ou para a relação não seja, na verdade, algo prejudicial", observa.

Segundo Mara Lúcia, a maneira mais simples de alterar o padrão é tomar consciência do equívoco e modificar as atitudes. "Resgatar a companheira-amante envolve jogos de sedução, divisão de tarefas, autoconfiança e maturidade", diz. Cuidar da autoestima também é uma parte importante do processo de mudança. Quem se ama se cuida, respeita os próprios limites, estabelece regras justas na relação, não abusa do par e não se deixa abusar. Se o outro não faz sua parte, não se sente culpada ou obrigada a fazê-lo.

A mudança na relação não ocorre por meio de apelos para que o homem mude: a mulher é que decide mudar o jogo e equilibrar a conta. Assim, aprende a reservar tempo para si, descansa, se cuida, exige igualdade das partes, reivindica cuidados e atenção na mesma medida em que doa. "Ela desiste de fazer pelo companheiro o que ele próprio deve fazer por si, por ela e pela relação. Dessa forma, permite que o homem cresça e assuma sua cota responsabilidades, aceita que ele faça escolhas e arque com as consequências de seus atos", conclui a especialista.