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Body Neutrality: como é não gostar do próprio corpo, mas seguir adiante

Naiana Ribeiro acha que neutralidade e positividade se complementam Imagem: Arquivo Pessoal

Lorena Morgana

Colaboração para Universa

16/04/2019 04h00

Quando na vida offline a gente tem a sensação de que as coisas vêm e vão muito rapidamente, na vida online, esse fenômeno é triplicado. Se em 2013 muitas mulheres se inspiravam em musas saradas que bebiam suco verde todas as manhãs, almejando manter suas barrigas negativas e feeds que poderiam ter saído de catálogos esportivos, em 2016 só queríamos dar like em "mulheres reais", que amam seus corpos e imperfeições acima de qualquer coisa.

Em 2019, no entanto, será que é um pecado muito grande se olhar no espelho, não gostar muito do que vê, mas seguir adiante com outras preocupações?

Essa indiferença é o que muitas pessoas vêm chamando nas redes de #BodyNeutrality (com hashtag), ou literalmente, neutralidade corporal. A expressão começou a aparecer entre bloggers em meados de 2015, mas só ganhou notoriedade quando a americana Anne Poirier lançou um programa de palestras para uma clínica em Nova Iorque que trata pessoas com distúrbios alimentares.

Poirier, que trabalhava como diretora de um programa fitness para uma universidade americana, acredita que é difícil demais pular da insatisfação que muitas mulheres sentem com seus corpos diretamente para o amor incondicional a eles e seus defeitos. "Algumas pessoas vão simplesmente aterrissar na neutralidade corporal, que é o termo que utilizamos aqui quando você está na metade do caminho", afirma na apresentação de seu curso.

Para a especialista, body neutrality significa, na prática, que seu corpo é o que ele pode fazer, e não o que ele aparenta ser. A atitude vem como resposta às tendências de obsessão corporal adotada por mulheres principalmente, que têm as vidas cada vez mais expostas em redes sociais. "A imagem corporal sempre foi questão nas sociedades pois através desta, comunicamos e afirmamos as nossas diversas identidades", explica a psicanalista Seung Hae Shin.

No entanto, a psicóloga acredita que, atualmente, por estarmos na era da imagem tratada, passamos a ter dois tipos de corpos: o que vemos no espelho e o que postamos na web. "No consultório, as questões de autoestima e autopercepção sempre foram temas principais. Agora, quem sempre sofreu pela sua imagem pode criar movimentos, reagir publicamente, fato que tem gerado tantas nomeações e revoluções com os corpos", afirma.

Body Positivity x Body Neutrality

Se no início da caminhada do movimento neutrality, ele parecia uma reação diametralmente oposta aos seguidores do movimento positivity, olhando de perto, ambas tendências, ainda que caminhem por trajetos diferentes, almejam alcançar destinos como: diversidade, equidade e autonomia. Porém, enquanto na positividade o destino final é estar descontaminado dos padrões de beleza que impedem pessoas de se amarem, na neutralidade, o fim é simplesmente não pensar no próprio corpo quando o assunto for autoestima.

Para a digital influencer e militante do movimento de positividade corporal, Naiana Ribeiro, a nova tendência parece ser um dos passos para se alcançar não apenas o amor próprio, mas para entender o corpo como instrumento político; e "ficar no meio termo" estaria incluso no processo de positividade.

A jornalista defende que a positividade corporal não é um processo instantâneo. "Às vezes, há romantização ou fantasia do body positive como se só fossem flores todos os dias. É lento, e há dias ruins quando a gente se olha no espelho também. O perigo é que esse conceito da neutralidade talvez possa ser utilizado contra a positividade, quando na verdade, eles parecem ser complementares, um parece fazer parte do outro", opina Naiana, que criou a primeira revista voltada especialmente para pessoas gordas no Brasil, a PLUS.

Já na ótica de outra influencer, Luciete Frota, que não largou a vida saudável e o culto à aparência física, nem o positivo, nem o neutro são tão atraentes assim. Ela acredita que cada um tem livre-arbítrio para ter o corpo que quiser, contanto que este seja o caminho para seu bem-estar.

"Eu sempre gostei do meu corpo, mesmo antes de malhar tanto. A questão é que eu poderia me acomodar com o que eu tinha, mas percebi que com esse ritmo fitness, ganhei uma beleza mais expressiva", conta a influencer, que confessou ter medo de perder seguidores quando esteve grávida, há um ano e meio.

"Se o movimento da neutralidade faz com que a gente foque mais na carreira ou na família, é bacana, mas meu corpo é meu templo, então para me sentir bem, eu tenho que cuidar dele", defende Luciete, que se formou em Odontologia, mas trabalha como modelo na internet desde que era estudante.

Luciete Frota faz questão de cuidar do corpo, "seu templo" Imagem: Arquivo Pessoal

É mais fácil falar do que praticar?

Ainda que todos esses movimentos falem sobre bem-estar (físico e mental), e tenham, cada qual, um discurso charmoso, como é vivê-los na prática? Quando se trata de Fitness ou Positividade Corporal, há um aparente desgaste nos conceitos de ambos, graças a sua hipercomercialização, que alavancou e consagrou a vida de muitos gurus, com milhares de seguidores internet afora.

Fenômenos como tais levam diariamente pessoas comuns à uma prática perigosa: a vigilância exagerada do próprio corpo. "As consequências psicológicas são sempre ligadas à dificuldade de lidar com a aparência, submetendo-se ao discurso que cativa e exige lealdade aos pressupostos de cada movimento", adverte Seung Hae Chung.

Olhando pelo aspecto positivo destes movimentos, a psicanalista avalia que a exaltação de minorias representativas como mulheres, gordos e homossexuais, dá origem a grupos que pretendem se fazer ouvir e criar seu espaço. "Estes fenômenos por um lado ajudam os indivíduos na construção de suas identidades e lugar na sociedade, porém também criam inúmeras bolhas com estéticas bastante rígidas. O sofrimento com seu corpo não é novidade nos consultórios. Talvez esteja mais cruel, pois com tantos recursos para transformá-los, a não-adequação muitas vezes aparece como um fracasso, um demérito", explica.

A neutralidade corporal parece ser uma tendência bastante radical. Imaginar um cenário em que os corpos são valorados principalmente por suas potencialidades levaria muitas indústrias a repensarem drasticamente suas dinâmicas e, em casos mais extremos, se retirarem de jogo. Afinal, como ficariam os mercados de moda, beleza, estética e adjacências em um mundo no qual a aparência do corpo já não importasse?

Apesar do (im)provável cenário caótico que um mundo regido por neutralidade corporal pudesse causar, estar livre, mesmo que por alguns instantes, das pressões de amar incondicionalmente o corpo ou querer mudar aspectos dele, parece ser uma saída interessante. Por que não tentar?

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