"Quando é com a gente, é diferente", diz amiga de advogada morta em SC
O celular de Lucimara Stasiak não vibrou ao receber uma mensagem no WhatsApp. "Mandei mensagem para ela no domingo, e ela não recebeu", escreveu uma amiga no grupo que era administrado pela advogada. "Gente, não acredito. É a Lucy?", enviou uma outra amiga quando um link sobre a morte de uma mulher começou a ser compartilhado.
Essa mulher era Lucimara, 30. Policiais a encontraram morta, no início de abril, em um apartamento em Balneário Camboriú (SC). O suspeito é Paulo Carvalho de Souza, que ameaçou se jogar da janela quando os policiais fizeram um cerco ao prédio. Segundo os militares, Paulo gritava que havia matado a companheira. Quando as amigas começaram a suspeitar que a vítima fosse mesmo Lucimara, a negociação entre o homem e a polícia já durava cerca de dez horas. A defesa de Paulo afirma que está esperando a conclusão do inquérito para se pronunciar.
Sonhava em ser juíza
A advogada tinha o sonho de se tornar juíza, e estudava para prestar o concurso para o cargo. Estava em Balneário na casa do namorado, com o qual mantinha um relacionamento há cerca de dois anos.
A notícia da morte chegou ao grupo de WhatsApp com tristeza e revolta. Lucimara era a administradora do grupo "Amigas da Lucy", onde reuniu mulheres para falar de sororidade, rir e organizar as baladinhas -- numa triste ironia, foi ali que os primeiros links sobre o suposto feminicídio foram compartilhados. "Alguém tem contato da família?", escreveu uma das amigas quando a informação foi confirmada.
Duas semanas depois do ocorrido, a amiga Jussiane Siqueira sorri ao lembrar-se da diversão que teve lado de Lucimara. As duas se conheceram em um piquenique em Florianópolis. No ano passado, embarcaram uma aventura: viajaram 14 horas de carro, da capital catarinense a São Paulo. Foram a trabalho, mas encontraram um tempinho para se divertir e foram a baladas sertanejas na Vila Olímpia, zona sul da capital paulista.
"Ela só estava triste do namorado não ter vindo", se recorda a amiga. "Nós tiramos fotos, eu postei no Facebook e Instagram. E ela me disse para apagar, pois ele havia ficado chateado", diz.
Jussiane lembra que Lucimara era organizada. Criada pela avó, ela bancou a própria faculdade de Direito e trabalhou em um grande escritório de advocacia catarinense. Para poupar dinheiro, pagava aluguel em um lugar menor do que poderia bancar. Era também fã de esportes e participava de um grupo de jogadoras de futebol da OAB. Gostava de correr e se exercitar.
"O que eu mais gosto nela? Ela é meiga, iluminada? Sempre está ao lado das amigas", explica a amiga. Enquanto fala, as lágrimas começam a surgir nos cantos dos olhos. "Eu falei no tempo presente, como se ela ainda estivesse viva".
Lucimara conheceu Paulo, que também é advogado, há cerca de de dois anos. Segundo a amiga, o namorado é uma pessoa reservada. Na rede, ele se intitulava como Jacarézinho Trader e dava dicas sobre investimentos financeiros. A advogada queria aprender a investir o dinheiro que tinha guardado. Nem a amiga nem a família, em depoimento à imprensa, disseram ter ouvido queixas anteriores dela contra ele.
No fim da tarde de terça (2), a polícia militar de Santa Catarina recebeu um telefonema. Vizinhos alertaram que Lucimara estava desaparecida desde quinta-feira (28), após uma discussão entre os dois no apartamento.
Sacos de gelo para dentro do apartamento
Desconfiados, acionaram a polícia ao notar que nos dias seguintes o suspeito carregava sacos de gelo para dentro do apartamento. O laudo médico diz que Lucimara recebeu 14 facadas e a investigação aponta que suspeito manteve o ar-condicionado no máximo, em uma possível tentativa de preservar o corpo. Ele foi preso em flagrante, por ocultação de cadáver, e logo depois recebeu pedido de prisão preventiva pelo crime de feminicídio.
À polícia, o suspeito diz ter sofrido um surto psicótico. Segundo a defesa, o processo está suspenso pois a Justiça aceitou um pedido de exame de sanidade. Paulo segue preso de maneira preventiva.
Em nota, o presidente da OAB catarinense, Rafael Horn, afirmou que a instituição "atua pela igualdade de gênero, pelo protagonismo feminino em todas as camadas da sociedade e reiteradamente tem se posicionado pelo fim da violência contra a mulher, inclusive realizando ações junto à sociedade por intermédio das nossas comissões temáticas. Prestaremos todo o apoio necessário à família de Lucimara e estaremos do seu lado para que se faça justiça neste caso".
Na última quinta (11), a instituição convidou a todos para uma missa de sétimo dia. Colegas da OAB também organizaram um protesto para lembrar da morte e da vida de Lucimara.
O número de feminicídios cresceu 83% entre janeiro e março deste ano, em comparação ao mesmo período do ano passado, de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina.
Uma semana antes da morte de Lucimara, Jussiane escreveu a ela uma mensagem no Instagram. "Tenho orgulho de ter uma amiga que conquistou tudo que tem sozinha", escreveu. "Amo tu", respondeu a advogada.
Agora, as amigas preparam um grupo "Somos todos Lucimara" para conscientização sobre o feminicídio. Abalada, a família não quis se pronunciar. "A gente vê isso acontecendo por aí. Mas e quando é com a gente? Quando a gente é que sofre? É bem complicado. Ela me fez acreditar na união das mulheres. Quero proteger minhas amigas", conclui.
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