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Nem toda gorda é engraçada: é hora de parar de estereotipar essas mulheres

Debochadas, exibidas, pegadoras, duronas, preguiçosas... Em geral, os rótulos que costumam colocar nas mulheres acima do peso soam ofensivos até mesmo quando, aparentemente, não têm a intenção de insultar - iStock Images
Debochadas, exibidas, pegadoras, duronas, preguiçosas... Em geral, os rótulos que costumam colocar nas mulheres acima do peso soam ofensivos até mesmo quando, aparentemente, não têm a intenção de insultar Imagem: iStock Images

Heloísa Noronha

Colaboração com Universa

17/04/2019 04h00

Debochadas, exibidas, pegadoras, duronas, preguiçosas... Em geral, os rótulos que costumam colocar nas mulheres gordas soam ofensivos até mesmo quando, aparentemente, não têm a intenção de insultar. Boa parte da responsabilidade pela perpetuação desses estereótipos vem da indústria de entretenimento. Durante muito tempo, personagens gordas foram apresentadas por filmes e novelas como engraçadas, fogosas e desesperadas por homem, com traços de personalidade e atitudes exagerados.

Para Marjorie Vicente, psicóloga especialista em imagem e em prevenção e educação de transtornos alimentares, isso acontece porque em um mundo onde a aparência ainda é supervalorizada, estar fora do padrão tido como correto é visto quase que como um "defeito", um "pecado". "É como se a pessoa precisasse se sentir em dívida e pedir desculpa por existir daquela forma. Acredito que por isso existam tantos estereótipos", explica.

É preciso levar em conta que, antes do advento quarta onda do feminismo e dos movimentos em prol dos diferentes padrões de beleza, muitas mulheres se sentiam compelidas a assumir determinadas personas para terem um pouco de sossego e paz e calarem, ainda que de maneira torta, as opiniões. Esse é o grande perigo dos rótulos: mesmo quando as pessoas não se identificam com eles, se sentem ansiosas para assumir papéis diferentes na frente dos outros e acabam limitando a expressão de quem são, na verdade. Ou, na pior das hipóteses, atendendo expectativas que não são delas.

Pegadora?

Segundo Marjorie, infelizmente o senso comum ainda prega que já que a mulher "é gorda", não pode escolher seus parceiros e por isso tem que se contentar com o primeiro sujeito que se interessar por ela. "Daí a ideia de estar disponível sexualmente, de topar tudo, de ser pegadora e sexualmente animada. O grande perigo disso, além da autoestima abalada, é a mulher acreditar que é inferior por estar ou ser acima do peso e se propor a caber dentro desses estereótipos. Ninguém deveria ir para a cama com alguém por quem não se interessa só para se sentir desejada ou se propor a fazer coisas que não tem vontade para demonstrar algum tipo de 'qualidade' e ter algum valor", opina.

Engraçada?

Ser divertida, festeira, gostar de aparecer e fazer piada do próprio peso cai naquele velho clichê de que "toda gordinha é engraçada", que pode ser resultado de duas possibilidades. Uma delas é a pessoa se sentir inferior por viver em uma sociedade com essa cobrança absurda do "corpo perfeito" e encontrar uma fuga nessa personagem do tipo "não estou nem aí, sou feliz assim". "A outra é que existem mesmo mulheres que genuinamente não ligam para o que é imposto, são felizes do jeito que são e expõem isso, mesmo que os olhos alheios pouco acreditem. E este é o ponto mais complicado aqui: estamos tão acostumados a acreditar que só sendo magro se é feliz hoje em dia que acaba sendo difícil acreditar que alguém possa fugir à regra e ser bem resolvida. Isso vai de encontro ao pensamento de muita gente que julga que a mulher diz que não liga, mas no fundo quer emagrecer", observa Marjorie.

Preguiçosa?

A mulher gorda vista como preguiçosa, como alguém que não tem força de vontade e que gosta de comer compõe o estereótipo mais vendido pela indústria da beleza e das dietas que lucram muito em cima dessa ideia. "É fácil vender revista, dieta e produtos milagrosos quando a culpa do consumidor não estar exatamente como a celebridade ou a blogueira fitness vem da sua própria preguiça, da sua falta de força de vontade e do seu prazer em comer. Isso é extremamente simplista, preconceituoso e cruel", diz Marjorie.

Durona?

Já a "durona", aquela que "não leva desaforo para casa", é uma "característica" atribuídas às mulheres gordas e negras --vide os papéis que consagraram Queen Latifah no início de sua carreira-- e destilam duplo preconceito por associar o estereótipo à violência e à marginalidade.

Opiniões rasas demais

Julgar de acordo com a primeira impressão abre espaço para opiniões rasas e superficiais. "A forma do corpo de cada um de nós conta talvez, se muito, da história genética de cada um, das possibilidades de uma silhueta, mas não conta sobre nossa singularidade, nossos anseios, sonhos e desejos", fala Gabriela Malzyner, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e psicanalista pelo Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo (SP).

De acordo com ela, qualquer estereótipo é reducionista e não diz nada do outro. "Os rótulos, de uma maneira geral, são absolutamente inadequados. E, na verdade, eles dizem muito de quem os fala, não de quem os recebe. Então o corpo, visto por um terceiro, não tem nada a ver com o que somos na realidade", conta.

Para a psicóloga Cristina Balieiro, coautora do livro recém-lançado "Círculos de Mulheres - As Novas Irmandades" (Ed. Ágora), o primeiro ponto a se combater é justamente classificar "mulheres gordas" como se fosse uma categoria à parte. "Isso tira a subjetividade e a individualidade de qualquer mulher. Todos nós somos seres humanos complexos e cheios de qualidades e defeitos. Ao falar 'gorda' para se referir a um padrão estético ditado, reproduzimos uma visão machista e empobrecida do feminino, vinda não só dos homens como das mulheres também. É preciso desconstruir isso", comenta.