Pelo direito de ser mãe e dona de casa: "Por que eu seria menos mulher?"
Quando chegou a hora da reflexoterapeuta Anna Rodrigues, 20, de Embu das Artes (SP), voltar a trabalhar depois do nascimento de sua filha, ela não conseguiu cogitar a possibilidade de deixar a bebê de cinco meses em casa. "É o momento que eles mais precisam da gente", fala à Universa. "Queria estar com ela o quanto fosse possível. Vivo em função dela e da casa". Mãe solo e feminista, ela vive sozinha com a filha, atualmente com um ano de idade, e se mantém com a pensão que recebe do pai da criança. "Quando as coisas apertam, eu faço uns bicos. Não tenho trabalho fixo nem pretendo."
Anna faz parte de uma parcela de jovens que querem ser donas de casa e mães em tempo integral e reclamam de não se sentirem apoiadas por algumas pessoas que lutam pelos direitos das mulheres. "Elas não aceitam que uma mulher pode querer ter filhos, que ela pode querer ficar em casa e que essa é a escolha dela. Acreditam firmemente que a gente é moldada assim, que nenhuma mulher pode querer por livre e espontânea vontade viver assim", fala. "A gente escuta que acabou com a nossa vida, que merecíamos mais. Raramente as mães e donas de casa são acolhidas, 'mulheres independentes' não querem amigas que são mães."
Esclarecimento x julgamento
A dificuldade em entender os motivos que leva uma mulher a escolher ser dona de casa pode estar ligada ao esclarecimento sobre independência financeira e emocional. "Sabemos a importância da mulher ter o próprio dinheiro e os perigos de estar em um relacionamento em que você depende financeiramente de alguém. Pensando em violência doméstica, a dependência financeira coloca a mulher em um papel delicado. Um dos motivos mais citados por mulheres que não conseguem sair de uma situação em que apanha do parceiro é a dificuldade de se manter e manter os filhos", fala Carol Patrocínio, 34, de São Paulo (SP).
Engajada nas lutas pelos direitos das mulheres e profissional de marketing digital, Carol até compreende a origem do julgamento, mas ela própria foi alvo de comentários quando decidiu que trabalharia de casa para ficar mais próximo do crescimento de seus filhos Chico, 8, e Lucca, 15. "Ouvi que estava abrindo mão de mim", diz. "Os julgamentos machucam, fazem a gente se sentir menor, menos importante."
Segundo Carol, há um novo padrão de "derrubar" qualquer dinâmica social que seja considerada ultrapassada. A figura da mulher dona de casa entra nesse balaio. "As pessoas se agarram tanto a isso, aos dados, que esquecem que nem todo mundo pensa igual", fala a profissional de marketing. "É claro que existe essa ideia de que mulher cuida, porém é importante entender que nem toda mulher se sente oprimida por esse papel, algumas inclusive sonham com ele e não têm nada de errado nisso. Se a mulher se sente à vontade com ele, entende os ônus e os bônus, não há motivo para que ela seja questionada."
Recém-formada no ensino superior e em processo de pós-graduação, Bianca Galan, 23, de São Paulo (SP), nem mesmo é casada, mas pretende parar toda a sua vida para ser mãe em tempo integral. Mesmo tendo uma vida estável e confortável. "Quero viver intensamente a minha casa e minha prole, ficar 24 horas por dia olhando para o bebê e atendendo ele. Minha ideia de maternidade é atenção exclusiva, pelo menos o máximo que der", afirma. Ela fala que ouve muitas "besteiras" quando fala sobre seus planos com pessoas conhecidas. "Dizem que não dou valor às conquistas de mulheres que lutaram antes de mim. Que muitas mães, hoje, conseguem conciliar maternidade e trabalho e, ainda por cima, de salto alto. Como se eu quisesse isso. Eu não quero."
"A gente só quer ser gente"
Carol Patrocínio voltou a trabalhar depois que os filhos já estavam maiores. "Sentia falta de ter contato com adultos diariamente", fala, rindo. "Além disso, sou uma profissional competente e entendi que posso contribuir de diversas formas a transformar o mercado. Fora que que meus filhos já estavam em um momento da vida em que ter autonomia era importantìssimo."
Mas nem todas as mulheres têm a mesma facilidade de "sair de casa". "Voltar ao mercado de trabalho depois dos filhos crescerem pode ser muito cruel", afirma Anna Rodrigues. Segundo ela, a melhor forma de lidar com as mães em tempo integral é entender que, além de cuidar os filhos, elas também são mulheres e deixar de criar uma aura "cor-de-rosa" em volta da maternidade. "Tem que ser uma coisa comum e natural. A partir daí, não teria porque excluir as mães de nada, não seríamos uma categoria à parte", fala a reflexoterapeuta. "A gente não quer nenhum tratamento diferenciado. A gente só quer ser gente. Mãe viaja, estuda, tem casa, transa... Não é só mãe."
"A verdade é que cada pessoa sabe o que precisa, deve e quer fazer, ninguém mais consegue entender melhor o contexto dela do que ela mesma", diz Carol. E o falta de compreensão não está no movimento pelos direitos das mulheres, mas nos indivíduos. "O feminismo é sobre aceitar escolhas diferentes e respeitar outras vivências. É muito fácil esquecer disso."
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