"Minha filha diz que tenho uma marca de batom que não machuca os bichinhos"
Jornalista e publicitária, Patrícia Lima, 39, se considerava uma workaholic. Depois de trabalhar por oito anos à frente da Catarina, sua empresa de comunicação de moda, ela se tornou mãe de Maya, 6. Com a maternidade, veio também a vontade de empreender novamente. Mas não bastava ser apenas uma iniciativa que tivesse sucesso -- ela precisava ser sustentável. Patrícia resolveu, então, dar um novo rumo à carreira, antes voltada ao mercado de moda e a agências de publicidade: decidiu uma marca de beleza limpa.
Assim nasceu em Florianópolis (SC) a Simple Organic, marca de cosméticos em que são usados ingredientes orgânicos, veganos, naturais, cruelty-free e agênero, certificados por organismos internacionais, como a Ecocert. Patrícia compartilha com a Universa como foi essa transição de carreira, fala como seu trabalho hoje impacta mulheres e qual legado quer deixar para Maya e tantas outras crianças.
"Eu fazia parte da indústria da moda, que muda de coleção de poucos em poucos meses. Sempre tralhávamos com o padrão: magra, alta, branca. Era o que era aceito e o que o cliente queria. Existia também muito descarte de material, e eu participava disso, mas não percebia.
Em meio à rotina de trabalho, descobri a gravidez. Fiz questão de trabalhar com o barrigão até o último dia. Arrumei todo o meu escritório, achando que voltaria um mês após dar à luz. Reformei, coloquei berço. Mas a verdade é que só fui uma vez para o escritório com a Maya.
Quando comecei a amamentar, passei a me questionar sobre tudo. Já não via mais graça no que eu fazia. Olhava para ela e pensava: 'que mundo vou deixar para a minha filha?'. Eu fazia parte de uma indústria. Foi um processo de questionamento. A maternidade traz isso: algo que é válido, pode não servir depois desse processo. Você quer fazer tudo por aquele ser humano que colocou no mundo.
Foi cruel ter esse estalo para a mudança. Na época, eu estava dando de mamar, quando ela tinha cinco ou seis meses. Depois de ter o bebê, comecei a me maquiar ainda mais, já que sempre tive muita olheira, o que se intensificou depois da chegada dela, em consequência das noites maldormidas.
Certo dia, eu estava dando de mamar e vi que ela encostava na minha maquiagem e colocava a mão na boca. Então questionei: 'o que exatamente ela, uma recém-nascida, está colocando na boca?'.
Resolvi deixar de usar maquiagem durante a amamentação para optar por algo mais natural. Fui pesquisar e não achei nada aqui no Brasil. Aí veio meu lado de moda para refletir sobre essa lacuna, já que eu já estava nesse processo de mudar de vida, para que eu pudesse contribuir para o futuro da minha filha.
Meu desejo era trabalhar com algo que eu já conhecia, mas com um novo olhar. Não existia uma marca de beleza sustentável. É tudo muito novo. É uma mudança de comportamento, de forma concreta. Então há cinco anos a Simple Organic começava a surgir.
Tive uma agência que era muito bem-sucedida e lá só atendia líderes. Um dia eu cheguei e decidi 'vou mudar de vida e montar uma marca de cosméticos sustentáveis'.
Me chamavam de louca, mas ainda assim rescindi o contrato. Eu sabia que meu caminho era outro
Antes de abrir a marca, enfrentei o machismo no ambiente de trabalho. Convivia com empresários, homens muito poderosos, e as mulheres ficavam em cargos de menos destaque. Eles me tratavam como 'ah, você supertalentosa, mas é uma menina'. Isso me deixava indignada. Alguns clientes já me disseram 'Patrícia, por que você não coloca um homem para lidar com dinheiro?'. Para mim, naquele momento, era um pouco 'comum', sabe? Mas hoje não.
Junto com o novo projeto, mudei de hábitos. Meu closet, quando eu trabalhava com moda, era um absurdo. Hoje tenho um guarda-roupa cápsula e vivo com o mínimo possível de peças. A parte do consumo mudou muito para mim durante esse processo, inclusive a alimentação. Hoje sou vegetariana. E olha que era bem junkie food, viu? Virava a noite na agência comendo pizza.
Isso foi natural e ainda acontece. É sobre entender a vida e substituir o que estamos acostumados. É também a mensagem que tento passar para as consumidoras. A transição é um processo de entender o que é melhor para você. Quando passei a estudar e analisá-lo, percebi quão difícil é mudar o cenário para o futuro e como cada pequeno objeto faz a diferença.
Minha filha, hoje com 6 anos, sempre fala na escola sobre eu ter uma marca que não machuca os bichinhos para fazer batom. A gente tem conversas sobre sustentabilidade e a criança replica. Vê o exemplo e vai reproduzindo. É uma troca, como o que estamos fazendo com a marca.
Normalmente, acham que a dificuldade está em desenvolver o produto sustentável. Mas o obstáculo está na aceitação do consumidor. As marcas sintéticas praticam algo chamado greenwashing -- quando são usados elementos sintéticos, mas coloca-se no rótulo algo verde. O consumidor leva isso para a casa, mas há vários ingredientes prejudicais. As grandes indústrias fazem isso, enganam.
Produzir não é difícil, só é preciso fazer o consumidor entender o que é diversidade em produtos naturais, veganos, guilty free e sem gênero. São muitas bandeiras levantadas. A gente quer impactar a indústria. Queremos provocar essa reflexão para outras marcas. Para mim, a Simple Organic é sustentável, não é só uma marca de cosméticos.
Atualmente, o que mais me impacta são os casos ligados à saúde. Eu nem pensava nesse público quando fundei a marca, como, a mulher que está fazendo quimioterapia. Ela passa por um momento muito difícil de autoestima e não pode usar nenhum produto sintético. E, claro, é um processo em que ela não se sente bem.
Poder atender esse público é uma das coisas que mais me emociona. Eu choro de emoção com casos que chegam até a mim. Se a pessoa usa para estética, tudo bem. É tão importante quanto. Mas saber que está ajudando alguém durante uma das fases mais difíceis da vida dela, é impagável. Isso me deixa certa de que estou no caminho correto.
Uma das clientes, vítima de violência doméstica, nos enviou uma mensagem dizendo que usava maquiagem sintética para cobrir as marcas de hematomas que o marido deixava no seu corpo. Depois de se separar, ela falou que reconstruiu uma autoestima e que precisava de uma nova marca. Beleza remetia às maquiagens o que ela usava para cobrir os hematomas quando era espancada e nós conseguimos mudar isso.
Eu sou muito tranquila em relação à beleza. Minha relação com ela é de autoestima por meio do poder de fazer o que quer fazer, falar o que quer falar. Ser uma mulher segura. Me considero mais prática do que vaidosa.
Sou mãe, empresária, vivo correndo e gosto de coisas práticas. Gosto de coisas multifuncionais, que não vão derramar. Um dos produtos, maior sucesso de vendas da marca, surgiu quando eu estava deitada e pensei: 'como eu queria um bastãozinho anti-idade que não precisasse ficar passando na frente do espelho e seja útil enquanto assisto Netflix'. Depois de criar tive a noção de que todo mundo quer isso. Ninguém quer ficar preso à rotina.
Quando mudei de área, queria levar uma vida mais leve. Quando lancei a marca, ela estourou e virou uma empresa muito maior do que eu poderia imaginar. Nesse momento estou envolvida na abertura de novos negócios e seus respectivos projetos sociais. Sabe aquela mulher que faz tudo? Sou eu e muitas outras."
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