Quem foi o médico gay que desafiou Hitler ao sair em defesa dos LGBTs?
Magnus Hirschfeld (1868 - 1935) era médico, sexólogo e defensor de LGBTs. Durante a ascensão do nazismo, foi considerado por Adolf Hitler "o judeu mais perigoso da Alemanha". É que, além de incomodar o tirano com sua origem, Hirschfeld era gay e usava todo seu conhecimento científico sobre a sexualidade para combater a homofobia não só na Europa, como no mundo.
Estudioso dedicado às minorias
Quando ainda cursava medicina, Hirschfeld, que se mantinha "no armário" para não sofrer as perseguições de sua época, ficou chocado como os próprios professores lidavam com a questão da homossexualidade. Certa vez, ele acompanhou uma palestra e viu a maneira humilhante como um homem preso por ser gay foi tratado; em suas palavras: "Equivalente a um animal de laboratório". Depois do que viu buscou se especializar em comportamento sexual para se entender melhor e ajudar a salvar pessoas LGBT. Hirschfeld morreu em 1935.
Influenciado também pela prisão do dramaturgo britânico Oscar Wilde, condenado por "cometer atos imorais com diversos rapazes", e pelo suicídio de um paciente gay, Hirschfeld publicou, em 1896, o panfleto informativo sobre homossexualidade como algo natural: "Safo e Sócrates ou como explicar o amor de homens e mulheres por pessoas do seu mesmo sexo". "Ele também conduziu as primeiras pesquisas estatísticas sobre suicídio de lésbicas e gays", comenta Heike Bauer, pesquisadora da Universidade de Londres em seu estudo traduzido para o português: "Magnus Hirschfeld e a Violenta Formação da Modernidade Queer".
No ano seguinte, com o apoio de outros simpatizantes de sua causa, Hirschfeld fundou o Comitê Científico Humanitário e conseguiu que nomes de peso do período, como o físico alemão Albert Einstein, se juntassem a ele para combater a homofobia por meio da ciência e derrubar o parágrafo 175 do código penal alemão, que criminalizava a homossexualidade. Em 1908, Hirschfeld conheceu o psicanalista Sigmund Freud, e dali pouco tempo também tornou-se, em Berlim, um dos membros fundadores da seção da Sociedade Psicanalítica de Viena.
Afronta aos ideais nazistas
Em 1919, um ano antes de o partido de Hitler lançar seu programa nazista, Hirschfeld inaugurou em Berlim o Instituto Para o Estudo da Sexualidade, o primeiro a propor isso no mundo, algo que o deixou famoso internacionalmente. A instituição contava com um museu e uma biblioteca dedicados exclusivamente à sexualidade e ainda prestava serviços educativos sobre gênero, transexualidade, educação sexual, contracepção, doenças sexualmente transmissíveis, além de oferecer consultas psicológicas, tratamentos médicos e abrigo gratuito a LGBTs carentes. Anualmente, recebia cerca de 20 mil visitantes e realizava 1.800 consultas.
"Ele era uma das poucas pessoas que falava publicamente e tão abertamente sobre esse tipo de assunto. Alguém que dava entrevistas, conversava e publicava artigos sobre ideias que eram completamente contrárias às normas da sociedade. E isso ajudou sua pesquisa, já que qualquer um que pensasse intimamente: 'O que há de errado comigo?' poderia facilmente encontrá-lo", diz Ralf Dose em seu livro "Magnus Hirschfeld: As Origens do Movimento de Libertação Gay", em português.
A cirurgia de redesignação sexual da paciente Lili Elbe, que inspirou o filme "A Garota Dinamarquesa" (2015), também não teria sido possível sem a ajuda de Hirschfeld, que acompanhou seu processo de perto. Como resultado, ele virou consultor de muitos procedimentos cirúrgicos desse tipo na Europa, co-roteirista do primeiro filme pró-LGBT da história do cinema ("Diferente dos Outros", de 1919), e um palestrante disputado --dava mais de 200 palestras ao ano. Com tanto sucesso, logo passou a despertar o ódio dos nazistas e seus simpatizantes.
Exemplo de resistência LGBT
Com a subida de Hitler ao poder, Hirschfeld sofreu uma perseguição que se estendeu da década de 20 à de 30. Em 1921, ele levou uma surra na rua depois de palestrar publicamente em Munique e ficou tão machucado que a imprensa acreditou que ela havia morrido. "Havia muitos outros sexólogos judeus nesse período, mas nenhum foi perseguido na mesma intensidade", afirma o biógrafo Ralf Dose, complementando que os jornais nazistas "Der Stürmer" e "Völkischer Beobachter" denunciavam o médico como um inimigo central.
Para mostrar resistência, Hirschfeld, em 1928, fundou a Liga Mundial para a Reforma Sexual, promovendo conferências em todo o planeta, ato que foi chamado pelos nazistas de uma conspiração judaica global. "Eles [nazistas] o retrataram como um subversivo da moral alemã, minando o espírito alemão como judeu e sexólogo", diz Rainer Herrn, pesquisador de sexologia e autor do livro "100 Anos do Movimento Gay na Alemanha", em português.
Foi então que, em 1933, o instituto científico de Hirschfeld foi invadido e completamente destruído. Toda sua biblioteca foi queimada e, posteriormente, seus muitos pacientes presos e levados para os campos de concentração. Hirschfeld só conseguiu escapar porque antes tinha feito uma viagem acadêmica aos Estados Unidos. Aconselhado a não voltar para a Alemanha, se mudou para Nice, na França, onde permaneceu até morrer de um infarto em 1935.
Graças aos esforços de seus colegas, alunos e apoiadores, seu nome não se perdeu na história. Suas ideias e o que sobrou de seus trabalhos foram aproveitados nos Estados Unidos, e apesar de algumas de suas teorias hoje estarem equivocadas e terem sido revisadas, ajudaram a transformar a maneira como os LGBT são tratados e deram a eles uma causa pela qual lutar.
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