Perdem até vaga de emprego: dificuldades de persistir na transição capilar
Há alguns anos, o termo transição capilar começou a se popularizar. À primeira vista, parece algo simples: tirar a química do cabelo e deixar os fios naturais.
Mas quem vê as fotos lindas de madeixas crespas e cacheadas de quem deixou a química no passado não faz ideia de como o processo pode mexer com o emocional e com a autoaceitação e envolver sofrimento, dificuldade, e muita vontade de desistir. Apoio e informação são aliados nessa hora.
Oito horas no salão e o divórcio da progressiva
"Eu resolvi transicionar no dia em que eu fui fazer progressiva e passei oito horas no salão. Naquele dia eu pensei "nunca mais vou me submeter a isso". Daí parei de alisar com química, mas segui por mais dois anos fazendo escova e chapinha.. Até perceber que isso não estava ajudando a saúde dos fios e que seria melhor ir cortando o cabelo aos poucos", conta a arquiteta Anna Carolina Alves, de 29 anos.
Mas desapegar do comprimento e se reencontrar de novo com os fios naturais, que não conhecia mais, foi árduo.
"Na hora do corte, a cabeleireira viu que por dentro meu cabelo estava muito quebrado e que o indicado seria mesmo fazer um corte curto, para tirar toda a química, o big chop. Eu fiquei desesperada, não iria cortar curto. Negociamos em cortar o mínimo possível. Ela deixou só um pedacinho de cabelo com o resto da progressiva. Ficou super estranho, mas fui pra casa achando que uma hora eu ia acostumar. Passei a noite toda chorando, me sentindo horrível, mas percebi que se tirasse a pontinha lisa que tinha sobrado, eu ia gostar mais", conta ela, que, no dia seguinte, voltou ao salão e se despediu das químicas alisantes de uma vez por todas, mesmo sofrendo e estranhando no início.
Preconceito no processo seletivo no caminho da transição
A consultora Isabella Oliveira, de 23 anos, ficou desempregada durante a transição capilar e, além de ter ficado muito para baixo -- ela conta até que deixou de sair de casa por um tempo -- teve que lidar com o preconceito em um processo seletivo.
"Eu estava há dois ou três meses procurando emprego e, nessa empresa, fui chamada no dia seguinte ao que mandei o currículo para uma entrevista. Me arrumei toda e fui. Passei pela primeira etapa. Na segunda, quem me entrevistou era uma mulher negra, assim como eu, e ela usava o cabelo superescovado. Nessa época, eu estava há seis meses em transição capilar e aí ela me perguntou: por que seu cabelo está preso? Eu falei que eu estava em transição. Ela só faltou rir", relembra ela do caso, que aconteceu em 2017.
"Ela falou que, ali, trabalhavam com perfil de cabelo escovado e pranchado. 'Você não se enquadra'. Ficou um silêncio na sala e eu perguntei 'Então eu estou fora da vaga?' e ela 'Sim'. Eu levantei e saí", relembra ela, que, hoje, agradece por não ter conseguido aquele emprego.
"Se eu não estivesse tão certa de que queria muito parar de ser escrava do método de alisamento, eu teria dito que escovaria e prancharia. Fui para casa muito mal, fiquei arrasada, porque realmente precisava do emprego. Hoje trabalho em um lugar que respeita quem eu sou, me sinto feliz de ter mantido meu posicionamento", conta ela, que diz que o apoio do namorado e a troca com a melhor amiga, que começou a transição junto com ela foram mais importantes do que qualquer dica.
Fada dos cachos
Foi pensando nas dificuldades emocionais que a cabeleireira Gabriela Aguiar, de 26 anos, se especializou em atender a clientela que está passando por transição capilar. Ela mesma passou pelo processo há dez anos, quando nada se falava sobre o assunto.
"Eu passei anos da minha vida sem saber como era o meu real cabelo. Cresci não gostando dele, e, com 13 anos, comecei a relaxar e tirar o volume da raiz, o que não era liso, mas já era alguma coisa. Só que, com o tempo, a raiz vira ponta, e o meu cabelo ficou completamente sem forma, com várias texturas. Resolvi parar de fazer qualquer coisa nele e passei por uma transição sem nem saber o que era isso", relembra ela. Cinco anos depois, aos 18, ela fez um corte curto para tirar toda a química e começou seu caminho na aceitação e dos cuidados apropriados para seus cachinhos.
Rede de apoio é importante
Agora, ela usa o conhecimento técnico que tem para ajudar meninas que estão no meio do caminho com dicas certeiras sobre produtos, como equalizar texturas diferentes, como pentear, prender, soltar etc. Toda a assistência para não deixar ninguém desistir pelo caminho, como muitas vezes acontece.
"Eu me preocupo muito com as pessoas em transição e sei que ninguém merece passar por isso sozinha. Busco dar todo suporte, sendo uma pessoa de confiança para tirar as dúvidas, obter informações, e também uma palavra amiga e um apoio emocional às vezes é necessário, porque, pode até não parecer, mas é difícil. É muito indicado ter uma rede de apoio, pessoas com as quais você possa conversar. Outra coisa que ajuda é ver o resultado de meninas com um cabelo parecido com o seu. Fortalecer a mente e o emocional é essencial", afirma ela.
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