Imagem de Marielle Franco na SPFW abre debate sobre violência contra negros
Marielle Franco foi assassinada há mais de 400 dias, mas ainda não há respostas sobre os responsáveis pelo crime. A morte brutal da vereadora do Rio de Janeiro tem comovido e inspirado artistas de diferentes áreas em suas criações. Ronaldo Fraga é um deles. Em seu desfile na 47ª edição da São Paulo Fashion Week, o estilista levou peças com o rosto de Marielle para a passarela.
O que para Ronaldo Fraga era um protesto foi encarado como sadismo por ativistas, artistas e influenciadores negros. O estilista se inspirou na obra "Guerra e Paz", de Cândido Portinari, para criar a coleção que apresentou no maior evento de moda do Brasil. A partir do questionamento "o que Portinari pintaria se estivesse em 2019?", Fraga respondeu com a sua própria leitura da realidade: a violência da qual a população negra é alvo diariamente.
As imagens de Marielle alvejada por tiros em uma camisa e com um alvo na testa em um tênis foram consideradas chocantes pela escritora e arquiteta Stephanie Ribeiro. "Há um uso constante da imagem da Marielle, mas nem todas as pessoas que fazem isso refletem sobre o que significa", afirmou.
Essa não foi a primeira vez que um item de moda é criticado por usar o assassinato de Marielle Franco de modo "vazio". Cinco meses após a morte da vereadora, a Nike convidou artistas de rua para customizar alguns de seus calçados com liberdade total. O artista Alexandre Órion aproveitou a oportunidade e escreveu "Marielle Presente" em um tênis da marca.
Um dos principais pontos dessa discussão é que geralmente os artistas não pedem autorização prévia à família de Marielle Franco para usar a imagem ou o nome dela. Por se tratar de um crime ainda sem respostas, o argumento é de que essa falta de cuidado pode trazer mais sofrimento para quem foi atingido diretamente pela tragédia.
Para o desfile na SPFW, Ronaldo Fraga pediu autorização do uso de imagem da obra "Guerra e Paz" para o filho de Portinari, mas não entrou em contato com a família de Marielle. A irmã da vereadora, Anielle Franco, usou o Instagram para se posicionar sobre o desfile. "Eu realmente não entendo quase nada de como funciona o mundo da moda, mas me incomodei com a imagem da minha irmã sendo mais uma vez exposta sem aviso prévio da família", explicou. Ela também contou que o estilista ligou para pedir desculpas e esclarecer que as peças não serão comercializadas e serão enviadas aos seus pais.
Negros na arte
Além da discussão sobre a autorização para uso da imagem, o episódio da SPFW também está longe de um desfecho por outra questão: as peças com o rosto de Marielle levantaram um importante debate sobre a representação da população negra na arte.
Para a cineasta Jéssica Queiroz, a arte brasileira tem fetiche em representar negros em contextos de violência e dor. "Geralmente, quando artistas brancos que vivem distante da realidade da população negra vão construir essa representação, eles partem de suas próprias visões, que podem estar atreladas a estereótipos racistas", explica.
A cineasta, negra e moradora da zona leste de São Paulo, já abordou a violência contra jovens negros de periferia no curta-metragem "Peripatético". O filme, vencedor de prêmios em festivais de cinema como Tiradentes e Brasília, foi aclamado pela crítica justamente por apresentar uma visão sobre a violência que não é violenta. "A arte tem o poder de criar imaginários e gerar efeitos. A partir do momento que criamos novas possibilidades de existência, informamos que a população pode ser vista de outra maneira", reflete Jéssica Queiroz.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.