"Vim da Colômbia sem nada, me reergui e trabalho acolhendo venezuelanos"
Quando chegou ao Brasil, depois de uma viagem de barco, acompanhada pela mãe e os dois irmãos menores, a colombiana Dinaluz Carmona Bossa, hoje com 25, não sabia como seria recomeçar a vida. Sem falar o português, sem renda e moradia fixas, a família se reergueu graças à mãe Angélica Maria, de 42 anos, que trabalhou como garçonete, vendeu arepas (um tipo de pão de milho) e alugou os quartos da casa para garantir que os filhos estudassem. Dinaluz se formou em direito. Hoje, atua em programas que ajudam venezuelanos a construírem uma nova história. Confira, abaixo, o depoimento que ela deu à Universa:
"Saímos da Colômbia por causa da violência. Grupos armados revolucionários nos pediam dinheiro e diziam que era uma 'vacina' para cuidar da gente. Minha mãe tinha uma empresa de venda de livros didáticos e literatura. Não éramos ricos, mas tínhamos boas condições de vida. Ela nunca pagou nada aos grupos armados, e eles começaram a nos perseguir.
Em janeiro, fez oito anos que chegamos em Manaus, depois de uma viagem de três dias de barco. Ficamos três meses morando em um abrigo. Era complicado, porque éramos minha mãe, eu, com 17 anos, e dois irmãos menores. Logo ela conseguiu um trabalho de garçonete e nós fomos para a escola, mas ainda não falávamos português.
Minha mãe trabalhou com tudo, cada hora inventava alguma coisa para nos sustentar e permitir que a gente estudasse. Ela vendeu arepas na rua, em frente a uma faculdade, por exemplo. Depois, quando conseguimos mudar para uma casa maior, começou a alugar os quartos, como se fosse um hostel. Na época da Copa no Brasil, atendíamos muitos estrangeiros. Aos fins de semana, eu também trabalhava em um restaurante, lavando pratos.
Comecei a fazer faculdade de Direito, com bolsa de estudo, mas não pude mantê-la por causa da dificuldade com o idioma. Depois, mais familiarizada com a língua, consegui um financiamento estudantil [Fies] e voltei para o curso.
Acolhimento aos venezuelanos
Consegui me formar em fevereiro do ano passado. Comecei a trabalhar como assistente jurídico de um projeto da Cáritas [confederação ligada à igreja católica] em parceria com a Acnur [Alto Comissariado da ONU para os Refugiados]. Também atuei como gestora de um abrigo que acolhia venezuelanos recém-chegados a Manaus, mas ele acabou fechando porque os custos eram muito altos.
Ainda continuo trabalhando no atendimento emergencial dos solicitantes de refúgio venezuelanos aqui em Manaus. O trabalho de acolhimento tem várias frentes, como ajuda financeira para pagar aluguel, para custear medicamentos, documentação ou transporte para procurar emprego. Mas eu cuido do departamento de empregabilidade e renda, relacionado ao empreendedorismo, e sou responsável pela capacitação dos venezuelanos. Faço parcerias com instituições para oferecer cursos profissionalizantes.
É um trabalho muito difícil. É preciso ter muita calma e paciência. Mas, hoje em dia, adquiri um pouco mais de maturidade e entendi que não dá para salvar o mundo. Amo meu trabalho, faço o máximo que eu posso, mas é difícil você escutar todos os dias histórias de pessoas que dizem que não comem há cinco dias, que têm filhos que ficaram para trás, que moram na rua e nem sempre eu consigo uma vaga em um abrigo. Eu me identifico com eles em vários momentos, ainda mais quando há mães com crianças pequenas. É preciso estar muito bem física, psicológica e espiritualmente para não se abalar.
Sonho da mãe
Minha mãe era formada em administração, mas sempre teve o sonho de estudar psicologia. Em 2017, ela conseguiu passar no vestibular para refugiados da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e está estudando e morando lá. Finalmente, conseguiu recomeçar a vida dela, junto com meus dois irmãos. Para se manter, ela se vira alugando alguns quartos da casa, como a gente fazia, e aprendeu a fazer bolo para vender.
No ano passado, conseguimos trazer minha avó da Colômbia. Eu moro sozinha em Manaus, com meu cachorrinho Toby, e comecei a fazer pós-graduação. Agradeço muito o acolhimento que o Brasil teve conosco. Recebemos muita ajuda e nunca, nunca mesmo, sofremos preconceito. Sempre via minha mãe lutando para gente ter o melhor e cresci com isso. Sou muito grata a ela.
Hoje em dia, a situação dos venezuelanos é muito complicada, mas quero ser uma inspiração aos refugiados. O importante é não desistir. Não é fácil, mas é preciso ter fé e lutar."
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