Pela internet, trans compram hormônios e fazem transição sem acompanhamento
As redes sociais se tornam mais uma vez o ambiente escolhido por um grupo que troca informações sobre comportamentos perigosos. Dessa vez, tratam-se de pessoas trans que, sem orientação médica, ingerem hormônios para tentar fazer a transição de gênero "em casa".
A transição, comum mas erradamente chamada de "mudança de sexo", é um tratamento que requer o acompanhamento de uma junta médica especializada e integrada, uma vez que a terapia hormonal afeta diferentes partes do corpo e da psique de quem passa por ela.
Em grupos no Facebook, usuários de hormônios dão detalhes das doses usadas, de onde compram os medicamentos e dos efeitos sentidos no corpo. Nas conversas, eles postam fotos dos remédios, muitos deles com tarja vermelha, que exige venda com prescrição médica, e das mudanças percebidas no tempo de uso.
Há ainda vários posts com pedidos de orientações de uso, seguidos de comentários de pessoas contando sua experiência e dando orientações. Informações sobre as substâncias também são encontradas em fóruns da internet e vídeos no YouTube.
Os remédios, normalmente, são os mesmos utilizados para tratamentos de reposição hormonal de mulheres e homens.
O comportamento expõe os usuários a riscos como trombose, câncer no fígado e até morte, dizem os especialistas.
Quem se submete a esses perigos costuma justificar o ato com a dificuldade de encontrar centros de atendimentos gratuitos em suas cidades e da falta de profissionais aptos para esse tipo de tratamento.
O motorista J. S., de 29 anos, recorreu a uma UBS (Unidade Básica de Saúde) e teve a primeira consulta com uma endocrinologista em São Paulo em 2016. A médica lhe receitou o medicamento D. (Universa não vai publicar o nome inteiro da substância para não induzir mais comportamentos de risco), contendo testosterona sintética, um hormônio masculino naturalmente produzido no corpo. A última consulta do motorista foi há um ano e, depois disso, ele afirma não ter conseguido marcar um retorno por falta de vaga. "Sem resposta, comecei a fazer tudo sozinho. Conheci, pelo Facebook, um rapaz que me vende receitas. Com elas, consigo adquirir o remédio na farmácia."
Doses exageradas
J. S. diz que injeta 2 ml da medicação a cada 15 dias. A indicação, segundo médicos ouvidos por Universa, é de apenas uma por mês. "Uso essa quantidade maior para os resultados aparecerem mais rápido", diz o motorista.
Segundo o endocrinologista Magnus R. Dias da Silva, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e um dos fundadores do Núcleo Trans, que presta atendimento médico e psicológico a transexuais e travestis, o risco está justamente nas doses exageradas. "Podem levar à hipertensão e ao aumento do colesterol ruim", afirma.
No caso dos hormônios femininos, o mais usado é o de nome comercial P. (mais uma vez, não publicaremos o nome todo) que contém estrógeno e um derivado de progesterona. "A prescrição desse remédio, na terapia hormonal, é de uma ampola mensal. Mas já ouvi diversos relatos de mulheres trans usando duas ampolas por semana", diz ele. Como o P. é vendido como anticoncepcional, não precisa de receita.
O médico admite a dificuldade que a população trans de acessar tratamentos convencionais e seguros. "É a única saída que muitas pessoas têm."
Doses incorretas de hormônios femininos podem levar a problemas de circulação e até tromboembolismo, doença na qual se manifestam tanto quadros de trombose quanto de embolia pulmonar.
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