Mãe de LGBT também é vítima da homofobia: "Fui julgada por ter filho trans"
Medo, solidão, julgamentos, pressões familiares e luto são algumas das consequências da LGBTfobia na vida das mães de LGBTs. "O preconceito e as normas do que a gente deve ser estão tão enraizados que até o amor de mãe, que é imenso, é posto à prova", explica a escritora e pesquisadora Edith Modesto, 81.
Hoje especialista no tema, a própria Edith sentiu isso na pele quando recebeu a notícia de que o filho, Marcello, era homossexual, há quase 30 anos. Não havia informação suficiente sobre o tema. "A gente sabia que homossexuais existiam, mas parecia que era uma coisa muito longe, que jamais aconteceria dentro de casa".
Ela sentia a necessidade de falar com outras mães que estivessem passando pela mesma situação. Começou a ler, nos primórdios da internet, o que jovens homossexuais escreviam para tentar entender o que eles sentiam.
Edith, então, teve a ideia de criar o Grupo de Pais de Homossexuais (GPH), como uma forma de trocar experiências e, principalmente, ajudar a si mesma. "Também escrevi um livro, 'Vidas em Arco-Íris', com depoimentos de quase 100 homossexuais. Na verdade, eu escrevi para mim, queria descobrir quem eram essas pessoas, já que meu filho era uma delas".
Depois, ela iniciou o Projeto Purpurina, com jovens homossexuais, para que conversassem e falassem sobre suas dores, ainda como parte do seu próprio processo de aceitação.
Luto é necessário
Edith identificou fases da aceitação, assim como o luto, que denotam uma morte simbólica do filho heterossexual idealizado pela mãe. "Antes, demorava dois, três anos e, recentemente, passou para três meses. Mas as etapas permanecem, a fase do estranhamento, quando não se reconhece o próprio filho, ainda é muito forte".
O processo de aceitação de uma mãe consiste em uma reinvenção interna, e cada uma leva um tempo diferente. "Esse luto simbólico realmente existe. Se ele não for feito, não há o renascimento do filho como ele realmente é".
Medo da rejeição em casa
A aposentada Clarice Cruz Pires, 67, tem três filhos, e, como ficou viúva cedo, o mais velho assumiu um papel paterno para os dois mais novos. O filho do meio, Yuri Pires, sempre foi introvertido, mas nunca lhe ocorreu que ele fosse gay. "Quando ele me disse, o medo que me passou pela cabeça foi meu que filho mais velho não aceitasse e eu teria que escolher ficar com um ou outro". Hoje, Yuri mora nos Estados Unidos e tem o apoio de toda a família.
Como o rapaz sempre foi reservado, seu sofrimento havia sido uma incógnita para Clarice. Foi por meio do livro de Edith que ela descobriu que Yuri havia sofrido bullying contínuo por parte de um professor. "Quando eu soube dessa história, meu filho já tinha 30 anos".
Contrariando Yuri, ela procurou o professor para tirar satisfação. Após quatro meses de buscas, o encontrou. "Ele disse que lembrava do episódio. Pediu perdão, disse que hoje entendia melhor as coisas, mas as marcas ficaram".
Com o mesmo sentimento de solidão de Edith, Clarice também procurou por informações e outras pessoas que compartilhassem sua angústia. Hoje, é coordenadora do coletivo Mães Pela Diversidade.
"A mãe é a culpada"
Há quatro anos, a cartorária Luciana Coutinho Bonfiglioli, 43, atendeu a uma ligação que mudou a vida da sua família. No telefonema, o representante do Hospital das Clínicas, em São Paulo, lhe informava que havia aberto uma vaga no tratamento de apoio a transexuais, em que seu filho, com então 16 anos, estava inscrito. "Fiquei muito assustada, não entendia o que era isso. Conversei com ele e fui estudar, perguntar para amigos que são médicos. Eu queria entender como eu ia cuidar do meu filho".
Luciana conta que é "responsabilizada" pelo que chamam de "escolha" de seu filho --e que a aceitação entre os parentes não foi fácil. ""Fui julgada. Hoje, ele sofre muito menos, porque nem todo mundo sabe que é pessoa trans, mas existe a preocupação constante em virtude da criminalidade. Eu tenho muito medo pela vida profissional do meu filho, que ele seja prejudicado".
"A mãe é a segunda vítima da LGBTfobia"
Maju Giorgi, 54, é presidente do Mães Pela Diversidade e conta que notou a sexualidade do filho, André, quando ele ainda tinha cinco anos. No entanto, quando ele resolveu sair do armário, aos 14, a aceitação não foi como ela previa. "O chão se abriu embaixo do meu pé, eu não tinha ideia da dimensão da LGBTfobia e temi por meu filho. Fiquei muito mal, com medo por ele, por toda a violência, do que poderia acontecer".
"A mãe é a segunda vítima da LGBTfobia. Na maioria absoluta das vezes, ela se pega em uma situação em que tem que escolher: 'eu fico do lado do filho LGBT ou do marido? Ou, ainda, do filho que tem preconceito?'. Ela percebe que a família e os amigos não são tão receptivos e começa a ficar com depressão, fobia social", explica.
Atualmente, a organização reúne mais de duas mil pessoas, em território nacional, como psicólogos, médicos e advogados que dão suporte as mães. "A base do preconceito é a ignorância e sempre acreditei que se as mães começarem a reverberar o sofrimento dos filhos, a sociedade vai ouvir".
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