"Meu filho não falava; deixei o emprego e comecei a estudar para tratá-lo"
A engenheira química Denise Nakamura ocupava um cargo de executiva na Johnson & Johnson, alcançado após uma carreira de 14 anos, quando decidiu largar o emprego para se dedicar ao filho, Mateus.
Até os dois anos, ele apresentava um desenvolvimento adequado ao cronograma da pediatria: aos 6 meses, já engatinhava; aos 11, caminhava, mas não falava nada. "A médica dizia que algumas crianças começam a falar mais tarde, mas eu estava cismada", conta Denise.
Depois de ir a duas fonoaudiólogas, a dois psiquiatras e a um neurologista e ouvir informações desencontradas, foi pesquisar por conta própria sobre problemas de fala entre crianças. Encontrou o termo apraxia, um grave distúrbio caracterizado por uma falha na área do cérebro responsável por coordenar a sequência de movimentos da mandíbula, dos lábios e da língua para formar sílabas e produzir sons.
Leia, abaixo, o relato de Denise:
"Meu marido e eu nos conhecemos na faculdade, e nossa prioridade sempre foi a carreira. Tanto que, até dois anos atrás, morávamos em cidades diferentes no interior de São Paulo por causa do trabalho. Ele em Piracicaba, como executivo de uma empresa brasileira de produção de etanol, e eu em São José dos Campos, como gerente de pesquisa e desenvolvimento na Johnson & Johnson. Passamos seis anos assim. Nossos encontros eram aos finais de semana.
Há cinco anos nasceu o Mateus. Em São José, eu tinha uma babá e meus pais me visitavam com frequência para me ajudar a cuidar dele. Mateus cresceu e seu desenvolvimento era considerado normal pela pediatra. Engatinhou na idade certa, 6 meses, começou a caminhar com 11, apontava para objetos, fixava o olhar. São sinais de que o desenvolvimento cognitivo da criança está avançando.
Mas fiquei cismada que ele não falava. Mateus tinha 2 anos e 3 meses e só emitia alguns sons, e ainda assim muito poucos. Para água e biscoito dizia algo como "babum". Fui em duas fonoaudiólogas, em dois psiquiatras e em um neurologista. Uns suspeitavam que ele poderia ser autista. Mas outros diziam que o único problema dele era em relação à fala, que não havia qualquer outra característica do autismo. Eu não me sentia segura com as informações que chegavam.
Estava preocupada porque o problema precisava começar a ser tratado logo. Caso contrário, ele poderia ficar socialmente prejudicado: não iria interagir com amiguinhos e ficaria cada vez mais calado. Fora essa parte social, a fala tem ligação direta com o desenvolvimento cognitivo. Ele teria dificuldade de aprendizado e, aí, viraria uma bola de neve. Meu maior medo era pensar que ele não conseguiria ser independente.
Rendida aos médicos, comecei a estudar por conta própria
Os profissionais não fechavam o diagnóstico mas diziam que eu tinha que começar um tratamento. Levei o Mateus a sessões com psicóloga comportamental, fonoaudióloga e terapeuta. Passaram-se 15 meses, e a fala não vinha.
Decidi parar de trabalhar e morar com meu marido em Piracicaba. Por me sentir rendida aos médicos, comecei a estudar por conta própria. Ainda pensando que poderia ser autismo, entrei em uma pós-graguação na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) em análise de comportamento aliada ao autismo.
Lia tudo que encontrava sobre distúrbios da infância. Encontrei um texto em um jornal falando em apraxia. Era a primeira vez que ouvia falar no tema. Nem a fono nem o neurologista sabiam do que se tratava. Foi quando decidi fazer um curso sobre apraxia da fala. Os profissionais que atendiam o Mateus se comprometeram a estudar o tema e, depois de algumas pesquisas e análises, ele foi diagnosticada com essa condição.
Apraxia da fala é um problema de ordem motora em que uma região do cérebro é afetada e faz com que a criança não consiga fazer toda a movimentação necessária para falar, nem que ela consiga juntar as sílabas e emitir sons que formam palavras do nosso vocabulário.
Além desses cursos que faço, vou à conferências médicas sobre o tema, a última foi no ano passado, em São Paulo, para melhorar o tratamento do Mateus.
Claro que foi difícil parar de trabalhar. Construí minha carreira durante 14 anos, tinha um bom cargo em uma multinacional, era líder de uma área. Mas, naquele momento e até hoje, senti que era a coisa certa a se fazer.
Terapia em casa
Mateus ainda visita o neuropediatra e a fonoaudióloga, mas, em casa, faço uma terapia contínua. Hoje, ele já consegue falar algumas palavras, mas come a maioria das consoantes. Carro, por exemplo, ele fala 'ca-ô'. Desenvolvi algumas técnicas para fazê-lo aprender. Digo: 'Filho, é carro, coloca a mão no pescoço', dando bastante ênfase aos dois erres e remetendo à tremida que dá na garganta quando a gente emite esse som.
Preciso incentivar que ele fale, repetir e cobrá-lo, mas tem que ser na brincadeira. Às vezes peço para ele cozinhar para mim e digo que quero 'to-ma-te', fazendo essa divisão silábica e puxando o te do final porque ele fala 'toma-ê'.
Como é um problema relativamente novo, muitos profissionais não sabem do que se trata. Nem os pais. Todo atraso de fala é apraxia? Não, mas precisa ser considerado na hora do diagnóstico. No caso do Mateus, por exemplo, a gente só conseguiu uma evolução quando descobri o que era por conta própria e comecei a estudar o problema certo."
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