Topo

Vida de barqueira: "Ouvi que a 1ª mulher a pisar no cais foi jogada ao mar"

Giselle, 38, é barqueira em Paraty: uma das poucas mulheres no cais da cidade - Arquivo pessoal
Giselle, 38, é barqueira em Paraty: uma das poucas mulheres no cais da cidade Imagem: Arquivo pessoal

Ciro Oliveira

Colaboração para Universa

21/05/2019 04h00

Por volta das 6h, a movimentação no cais de Paraty (RJ) começa. São mais de 300 embarcações turísticas atracadas. Os barqueiros começam a puxar as âncoras e a lavar os barcos, à espera dos turistas que chegarão logo para comprar passeios. No meio deles, está Giselle Cristina Lopes, 38, uma das únicas mulheres a comandar uma embarcação na região --naquela manhã, especificamente, a única. "As mulheres que estão no cais são poucas, mas visivelmente mulheres de atitude e guerreiras".

Ser mulher e trabalhar no cais não é fácil, segundo Giselle. "Fui uma das primeiras em Paraty a fazer parte da marinharia, a puxar âncora e a ajudar a remar", diz. Trabalhou, muitas vezes, sob olhares de espanto e desconforto. "Falavam que eu, por ser mulher, não poderia estar aqui. Que o cais não era lugar para mim".

Ainda no curso para se tornar barqueira, a sala já lhe dizia o que esperar: eram 40 homens e três mulheres. "A gente sentia que precisava provar nosso valor o tempo todo." Logo no começo da profissão, durante uma discussão sobre a organização dos barcos no cais, Giselle discordou de um barqueiro. "Ele virou e me disse: 'Sou do tempo em que mulher não pisava no cais. A primeira que trabalhou aqui foi jogada ao mar'".

Outro momento que ela relata foi quando tinha 22 anos e trabalhava nas filmagens dos passeios para vender o DVD aos turistas. Giselle foi com um grupo conhecer uma gruta. "Como tinha que passar por dentro da água, eu fiquei de maiô. Um rapaz que estava no grupo veio me elogiar e estava com ereção". Depois disso, ela nunca mais usou maiô para trabalhar.

Ela foi uma das pioneiras no cais de Paraty a fazer parte da marinharia, a puxar âncora e a ajudar a remar. - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Ela foi uma das pioneiras no cais de Paraty a fazer parte da marinharia, a puxar âncora e a ajudar a remar.
Imagem: Arquivo Pessoal

"A minha família sempre foi liderada por mulheres"


Nascida durante o Carnaval, em Angra dos Reis (RJ), sua mãe a teve com 17 anos. "Nasci prematura e fiquei na incubadora mais de um mês". A relação com o pai não foi boa. "Eu o vi poucas vezes. Ele chegou a me sequestrar da minha mãe nos primeiros anos de vida, mas uma infecção no ouvido o fez me trazer de volta. Depois disso, só o reencontrei com dez anos e, depois, aos 18". Para a filha de Giselle, Julia, o avô não passa de um retrato. "Ela nunca o viu pessoalmente."

A relação com a mãe demorou a engatar e, por isso, Giselle foi criada pela avó, a quem ela chama de Dona Glória ou "minha mãe Glorinha". Quando perguntam se Giselle é neta de Dona Glória, ela logo responde: "Não, não. Ela é minha filha. A Lúcia só pariu e não quis saber dela, não".

"A minha família é, ainda hoje, liderada por mulheres, e elas me ensinaram muito com suas escolhas, mesmo as ruins. Elas me fizeram pensar nas consequências de uma atitude irresponsável", diz a barqueira.

Hoje, ela construiu a própria família com o marido Thiago, a filha Julia e está grávida de seis meses de um bebê que terá o nome do pai. "Eu não tive dúvidas em dizer a ele que gostaria de colocar o nome do bebê de Thiago, em homenagem ao excelente pai que ele é."

Dinheiro incerto

Giselle é formada em Educação Física e quer ser personal trainer - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Giselle é formada em Educação Física e quer ser personal trainer
Imagem: Arquivo Pessoal

Giselle comandava dois barcos junto com o marido. Um deles foi vendido, mas eles estão construindo outro, do zero, aos poucos. É dos passeios com o barco "Oceano" que os dois tiram todo o sustento para família e juntam dinheiro para terminar de construir a casa própria. "Moramos de aluguel. A gente folheia revistas de reformas, se encanta com o que vê e vai separando, uma por uma, para, quem sabe no futuro, colocar na obra".

A entrada de dinheiro, nessa profissão, varia muito, pois depende da estação do ano. A média é R$ 70 por hora, quando o barco é alugado por um grupo, ou R$ 50 por pessoa, para um passeio que começa logo cedo e vai até o fim da tarde. Desse dinheiro, precisam sair os gastos com combustível e manutenção da embarcação. "No inverno, as coisas são sempre difíceis. É no verão que a gente ganha uma boa quantia, para segurar as pontas na baixa tempoarada."

Giselle é formada em Educação Física. Agora, quer ganhar dinheiro fora do barco, também. "Como fiz licenciatura, só para trabalhar em escolas, não me satisfiz, porque meu objetivo é ser personal trainer. Então, esse ano já comecei o bacharelado em Educação Física. Até o próximo ano, finalizo."