Ela resolveu criar mochilas para dar representatividade a meninas negras
Geisa Antunes, 25, fazia estágio de pedagogia em uma escola municipal de Sorocaba, no interior paulista, quando percebeu, sendo mãe e educadora, que poderia dar uma forcinha para que meninas negras que, segundo ela, não se veem representadas na sociedade.
"Nossas crianças deveriam estar preocupadas em apenas brincar e aprender, mas, por conta da crueldade do racismo, somos obrigados a criá-las para serem fortes e conscientes da dura realidade. Quando estive no lugar delas, tive um professor racista que dava aula de história para nós e que nunca contava nada positivo sobre a África. Só falava sobre escravidão e de uma forma bem grotesca, dando a entender que negro não era capaz e que a culpa era nossa", conta ela.
"Fora do meu universo familiar eu não me via como parte dos ambientes, não tinha brinquedos afirmativos, não via muitos negros em posições de destaque, meios de comunicação, e falando da nossa cultura, era tudo muito limitado. Com isso, demorei muito para me reconhecer e me afirmar como negra; tinha vergonha do meu cabelo, do meu nariz, dos meus lábios e da minha cor. Não me via bonita, mas 'exótica', como dizem por aí", diz Geisa.
Aos 21, quando se tornou mãe, ela pôde notar que, apesar de alguns avanços, pouca coisa havia mudado em relação à infância de crianças negras e que seria muito difícil elas não passarem por tudo o que viveu; algo que via se confirmar na convivência diária com os alunos e à medida que sua filha crescia.
"Pude perceber a falta de produtos, como brinquedos e materiais escolares, pensados para crianças negras. E isso é grave, pois elas precisam construir sua identidade e autoestima. Só assim crescerão sabendo que podem ser o que quiser: bailarina, doutora, advogada, empresária. Então, quando falo de representatividade, falo também em construção e possibilidades", diz Geisa, afirmando que as lojas disponibilizam uma imensidão de itens, como bonecas, mochilas, lancheiras e estojos inspirados em personagens de pele branca e quase nenhum em pele negra.
A iniciativa dela viralizou
Incomodada com o que via à sua volta, Geisa decidiu agir e, em novembro de 2018, depois de investir seu salário de R$ 550, comprou materiais e começou a confeccionar mochilas com a proposta de vendê-las e incentivar a representatividade. Ela passou meses maturando a ideia.
"São mochilas para crianças negras, com estampas e apliques de cabelos. Investi o que eu tinha no momento, com muito esforço, e dei a essa linha o nome de 'Melanin', que remete à melanina", explica ela, que criou modelos com desenhos de rostos de meninas negras e diversos penteados, como tranças e marias-chiquinhas, que são feitas de fios sintéticos.
Para divulgar sua iniciativa, Geisa postou fotos de sua irmã mais nova usando as mochilas em uma página que criou no Facebook e, de um dia para outro, viu o número de seguidores aumentar de 100 para 16 mil. Em 30 dias, ela conta que acabou vendendo um estoque com 300 peças que havia estimado para durar três meses.
"Não esperava um retorno tão rápido, foi muito positivo e acima do esperado. Pais do Brasil inteiro me procuram para falar sobre a importância das mochilas na vida de suas filhas, para a afirmação da identidade delas, e pedem para que eu os mantenha informados sobre futuros lançamentos. Por isso, atualmente estou focada, trabalhando muito, para estruturar e crescer a marca para poder realizar outros projetos", explica.
Ela quer crescer mais
Geisa conta que, em breve, lançará novas linhas de mochilas inclusivas, inspiradas em diversos tons de pele negra e também para meninos negros e crianças com vitiligo. Estão em seus planos ainda a criação de um instituto de profissionalização dedicado a pessoas carentes e a publicação de livros infantis que explorem temas sociais, como empatia e diversidade. "Comecei em uma casa minúscula, com muita ajuda, e, hoje, conto com cinco colaboradores e prestadores de serviços. Quero realizar vários projetos, sempre visando o impacto social e a promoção da igualdade", afirma.
"O Instituto Melanin, por exemplo, será um local de profissionalização, com foco em adolescentes que estão terminando seus estudos, mas também mulheres, como mães solo. Um local que oferecerá cursos de diversas áreas técnicas e de qualificação profissional para que as pessoas possam estar preparadas para competir e adentrar o mercado de trabalho", planeja ela.
"Além disso, sinto uma grande necessidade de falar com crianças. Comecei um livro infantil sobre o sonho de uma menina e quando vi já tinha cinco deles, sobre diversos temas, com uma linguagem bem lúdica e agradável de ler. Pretendo lançar o primeiro ainda este ano", conclui Geisa.
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