Em escolas: projeto quer ampliar participação de meninas na ciência
No meio de uma palestra, uma aluna começou a chorar copiosamente. Não se contava ali, na frente da sala, nenhuma história pessoal tocante, nenhum caso de superação, mas simplesmente se apresentava os possíveis caminhos que poderiam ser trilhados na faculdade de engenharia. A professora quis ouvir o que tinha emocionado tanto a aluna: "é que eu sempre quis ser engenheira, mas meu pai não deixou". O motivo você já deve desconfiar: "engenharia é coisa para homem".
Assim, quando o assunto é ensino superior na área de ciência e tecnologia, o público feminino representa apenas 28% do total de alunos nos cursos de engenharia, segundo dados do Censo de Educação Superior. No Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), as alunas somam 10% do total das turmas e em algumas aulas apenas uma mulher participa.
O estereótipo da "profissão masculina" é o mais antigo dos obstáculos. Afinal, quando se pergunta nomes de grandes cientistas, dificilmente alguém vai citar uma mulher. "A gente começa o nosso projeto já apresentando grandes mulheres e suas realizações na ciência, na pesquisa", conta uma das coordenadoras do projeto Mulheres em STEM²D Neusa Maria Franco de Oliveira. "As alunas vão até as escolas, apresentam a área e mostram os casos de sucessos. Por um processo cultural, as engenharias ficaram muito conhecidas como coisa de homens. Queremos quebrar essa tradição", completa Neusa.
Em uma ação conjunta da academia com a indústria disposta a ampliar a participação feminina nessa área de formação, a Johnson & Johnson criou o projeto STEM²D, que tem como principal objetivo incentivar o ingresso de mulheres em cursos das seguintes áreas: Ciências, Tecnologia, Engenharia, Matemática, Manufatura e Design.
O projeto seleciona universidades parceiras em todo o mundo e desenvolve ações que incentivam mulheres a desenvolver conhecimento nessas áreas. O ITA é a única instituição eleita no hemisfério sul. Ao todo, foram selecionadas noves universidades pelo mundo, sendo outras seis nos Estados Unidos, uma na Irlanda e uma no Japão.
O Mulheres em STEM²D no ITA entra no seu quarto ano de projeto e já impactou cerca de 5 mil meninas de ensino fundamental, médio e superior. Foram desenvolvidas atividades como oficinas, eventos e palestras, que aconteceram em 11 cidades do país, desde a região do Vale do Paraíba, no interior de São Paulo, onde fica o ITA, até cidades de Goiás, Piauí e Rio Grande do Sul. Dentro do Instituto, dezenas de alunas de graduação tiveram apoio em projetos técnico-científicos, desenvolvimento de habilidades interpessoais e debates sobre carreira e liderança feminina.
E daqui para frente?
Para fazer um balanço do projeto e esquadrinhar caminhos futuros, será realizado nessa sexta (24), I Encontro Rede de Mulheres em STEM. O evento faz parte do Engineering Education for the Future - EEF 2019, que vai contar com fóruns com palestrantes nacionais e internacionais, mostra tecnológica e competições de inovação, em busca de debate sobre os rumos do futuro do ensino em engenharia.
No encontro Mulheres em STEM, a ideia é trocar ideias, experiências, dificuldades e, claro, vitórias entre grupos engajados na mesma causa de outras escolas como o Instituto Militar de Engenharia (IME), UNESP e UNIFESP.
Além de promover o encontro, vai apresentar suas histórias e atividades durante a Mostra Tecnológica do EEF 2019. "Vamos mostrar as duas principais vertentes em que atuamos: o projeto técnico e a nossa linha social. Nossas alunas são nossas embaixadoras e fazem as palestras nas escolas. Vamos em escolas públicas, em sua maioria, mas essa não é uma regra -- podemos apresentar em qualquer escola. Realizamos também oficinas, o que sempre encanta, é bonito ver as alunas construindo objetos, vendo um robozinho realizar atividades. E elas entendem que um cientista não é somente um malucão que fica trancado dentro do laboratório", conta a professora Neusa.
Junto com a busca pelo aumento da representatividade feminina, está na essência do projeto mostrar para mulheres de todas as idades que existem escolhas de futuro disponíveis, não somente aquelas já tradicionalmente impostas ao gênero. "Quando falamos com estudantes do ensino médio, emociona ver meninas de 15 anos, já mães, aprendendo sobre ciências. Em comunidades mais pobres, elas descobrem que podem tentar ir além de somente casar e ter filhos", diz Neusa.
Um exemplo prático dessa fala da professora Neusa foi vivido pela Chefe da Assessoria de Comunicação Social do ITA, Tenente Raquel Caratti Piani, que também é uma das coordenadoras do Mulheres em STEM²D. Quando foi convidar alunas de uma escola para conhecerem o projeto, Tenente Raquel ouviu do coordenador, um homem, que ficava muito feliz com o convite, "porque geralmente quem aparecia por lá para convidar alunas, sempre aparecia com convites para cursos de secretariado".
É que aquele convite mostrava um novo horizonte para as meninas e um coordenador educacional deve, ou pelo menos deveria, sempre se preocupar com isso. "Não tem problema algum uma jovem escolher o caminho do secretariado. Mas ela precisa saber que esse não é o único caminho. Ela pode ser cientista, engenheira, jornalista. Ela saber que pode ser uma cientista, também faz com que ela saiba que ela pode ser o que ela quiser ser", completa Neusa.
De acordo com um estudo divulgado pela ONU, em termos de crescimento econômico, 144 países em desenvolvimento poderiam aumentar o PIB em 8 trilhões, se 600 milhões de mulheres e meninas tiverem acesso às áreas de ciência, tecnologia e inovação. O futuro é feminino.
Outras informações sobre o Engineering Education for the Future e o formulário para se inscrever gratuitamente e participar do evento estão no site www.eef.ita.br.
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