Grupos LGBT+ nas empresas estão crescendo; mas eles funcionam?
"O que vou contar na segunda-feira?"
Por muito tempo, esta pergunta acompanhou os finais de semana do profissional de relações internacionais Salomão Cunha Lima, de 29 anos. "Não sabia como meus colegas de trabalho reagiriam se contasse sobre meus momentos de lazer com meu namorado e meus amigos gays." Até que, em 2015, ele leu a reportagem de capa de uma revista cujo título era "Chefe, sou gay". Foi então que resolveu colocar o exemplar em cima da mesa da chefe. Estava dada a mensagem.
"Ela me agradeceu, me deu um abraço, e desde então consegui falar sobre o assunto para os colegas, um a um", conta Cunha Lima, que dali em diante decidiu encorajar outras pessoas a fazerem o mesmo. Assim foi criado o grupo Games, acrônimo de Government Affairs, Media, Entrepreneurs & Supporters, que reunia executivos para discutir diversidade e inclusão no mercado. Quatro anos depois, o ativista conta ter engajado mais de 700 pessoas e cerca de 15 empresas.
Hoje funcionário de uma empresa brasileira de software com sede em São Paulo, Cunha Lima viaja pelo mundo para falar sobre a atuação dos grupos de afinidade, nos quais os integrante são conhecidos como prides.
Um caminho sem volta
A atuação de grupos de afinidade tem crescido no Brasil. Mesmo em tempos de recrudescimento do discurso de ódio na política e nas redes sociais. É o que afirma o educador Reinaldo Bugarelli. Autor do livro "Diversos Somos Todos", ele idealizou, em 2013, o Fórum de Empresas e Direitos LGBT+, que reúne organizações brasileiras e estrangeiras para discutir políticas de inclusão no mercado.
O Fórum conta com o apoio de diversas empresas, signatárias de uma carta com dez compromissos de direitos LGBT+, entre os quais promover um ambiente respeitoso, seguro e saudável nas corporações.
Uma dessas empresas é a KPMG, que tem em seus quadros a primeira executiva trans do Brasil, a sócia-diretora de seguros Danielle Torres. Participante do Universa Talks, realizado no dia 27 de maio, em São Paulo, Danielle contou, em entrevista ao site, que realizou a transição de gênero quando o tema da diversidade estava sendo discutido em um nível muito alto na companhia. "A empresa me deu todo o apoio."
"Ela é uma das pessoas mais talentosas da empresa e encontrou o seu caminho. A empresa disse 'queremos ela aqui, vamos enfrentar isso [o preconceito]'", relembra Bugarelli.
No Brasil, cinco grandes empresas são consideradas pioneiras no apoio aos grupos de afinidade LGBT+: Carrefour, IBM, Basf, Procter & Gamble (P&G) e Whirpool.
Segundo Bugarelli, um dos desafios do Fórum é engajar lideranças e ampliar o repertório para rebater eventuais manifestações de preconceito, ou mesmo pedidos de demissão feitos por clientes e colaboradores. Um exemplo é quando há reações ao uso de banheiro masculino ou feminino por pessoas trans conforme a identidade de gênero. As respostas, segundo o ativista, exigem questionamentos do tipo "Por que isso te incomoda? Qual é sua questão?"."A pergunta mais interessante da inclusão é 'por que não?'", resume.
Nas contas de Bugarelli, mais de 3 mil pessoas trans foram contratadas por grandes empresas pelo país graças à atuação do Fórum.
"Hoje, as empresas deixam claro que aceitam pessoas trans nas vagas. É um recado duplo: se você é trans, venha trabalhar com a gente; se você não respeita pessoas trans, não venha", diz."Quem não sabe lidar com as diferenças tem uma evidente dificuldade de se adaptar ao século 21, de ter uma abertura maior às ideias. Está propício a ser mais autoritário."
Novos desafios
Nem sempre, porém, a atuação dos grupos de afinidade está imune a críticas. Um exemplo é quando integrantes do Comitê da Diversidade da Coca-Cola criaram uma campanha interna contra a homofobia em 2017. A iniciativa gerou questionamentos nas redes sociais porque, na imagem compartilhada, apareciam apenas homens brancos. Procurada para falar sobre as estratégias de inclusão na companhia, a Coca-cola não respondeu. Casos assim, segundo Bugarelli, mostram como é importante, nos grupos de afinidade, saber ouvir e fazer a crítica sobre privilégios dentro dos próprios grupos.
Thais Fabris, consultora especialista em comunicação, lembra que os espaços corporativos ainda hoje são organizados dentro da lógica da masculinidade tóxica. "Inúmeras pesquisas demonstram que equipes diversas geram soluções melhores e são, inclusive, mais felizes. Mas as iniciativas se limitam ainda a levar as pessoas para dentro do sistema, sem que esse sistema se adapte para receber as novas formas de fazer, as tecnologias e os saberes que essas pessoas trazem, sem se preocupar em criar espaços que respeitem o que essas pessoas têm de diferente ou esperando que essas pessoas se adaptem à lógica masculina-branca-hétero, que é justamente o que nos trouxe à crise atual", diz.
Coordenadora nacional do coletivo Mães pela Diversidade, a ativista Majú Giorgi diz que realiza quase diariamente palestras em empresas para sensibilizar os colaboradores e desconstruir os estigmas da "opção", da marginalidade, da promiscuidade e humanizar as pessoas LGBT+. Apenas em duas ocasiões, afirma ela, o CEO das companhias participou do encontro.
Segundo Giorgi, os grupos são formados por iniciativas dos colaboradores para cobrar representatividade onde, muitas vezes, essa representatividade não existe. "A maior bandeira é a inclusão no mercado de trabalho, para sensibilizar todo o quadro de funcionários. Da maioria das empresas, essa luta parte dos funcionários".
Salomão Cunha Lima concorda que o debate ainda tem muito a avançar. "Diversidade é convidar para a festa. Inclusão é chamar para dançar. Posso ter uma empresa diversa, mas onde só homens brancos crescem na carreira, em que mulheres não assumem postos de liderança, pessoas trans são ridicularizadas e negros andam de cabeça baixa", afirma.
O desafio hoje, segundo ele, é que as empresas tenham um olhar mais voltado à saúde mental. "O mal do século é a ansiedade e a depressão, que é muito forte nesses grupos. Como minha saúde mental está sendo resvalada no caminho de casa para o trabalho? Qual o posicionamento das empresas sobre as ações do governo para assegurar a minha proteção? Se pudesse morar na empresa, seria incrível. Mas quero trabalhar, produzir, ter uma vida fora dali e precisamos de mais políticas públicas em torno dessa proteção".
Apesar dos desafios, ele acredita que o engajamento das empresas é um caminho sem volta. E cita como exemplo os EUA de Donald Trump, onde muitas companhias ameaçaram cortar investimentos caso o governo levasse adiante a promessa de retirar o direito de pessoas trans usarem o nome social.
Conheça as iniciativas de 5 empresas pioneiras no apoio a grupos LGBT+ no Brasil:
Carrefour
Parceira do Fórum das Empresas LGBT desde o início das atividades, quando cedeu espaço para reuniões, possui desde 2015 o TODXS+, grupo de afinidade LGBTI+ que conta atualmente com 57 colaboradores de diversos departamentos e negócios. O grupo se reúne mensalmente para propor ações em temas como inclusão, comunicação e empregabilidade de pessoas LGBTI+, e mantém participação ativa pelo Whatsapp. Segundo o Carrefour, o grupo tem contribuído para fortalecer o posicionamento da companhia contra a LGBTIFobia e a favor dos Direitos Humanos LGBTI +, articulando campanhas de visibilidade e atuando diariamente para que a empresa seja livre de discriminação.
IBM
Na gigante de tecnologia IBM, as chamadas BRGs (Business Resource Groups) realizam, desde 2004, reuniões periódicas com funcionários voluntários para debater assuntos de interesse, compartilhar experiências e dificuldades e pensar em ações que promovam o respeito. Segundo Fabiana Cardoso Marcellino de Jesus, líder de Diversidade e Inclusão da IBM Brasil, a cada ano que passa mais pessoas se juntam aos grupos de afinidades. A ideia é que os funcionários se sintam representados e compartilhem com o time de Diversidade & Inclusão novas soluções para atender suas necessidades. Um dos exemplos é que, na IBM, o tratamento hormonal de pessoas trans indivíduos é subsidiado pela companhia em até 75% do custo dos medicamentos. A companhia não informa o número de colaboradores envolvidos na iniciativa.
Basf
Segundo a diretora de Relações Institucionais e Sustentabilidade da BASF para América do Sul, Cristiana Xavier de Brito, existem quatro grupos de afinidade na empresa, entre eles o Be Yourself at BASF, de diversidade sexual. Os grupos se reúnem periodicamente para discutir ações e influenciar políticas afirmativas de inclusão. Na empresa, os colaboradores podem adotar seu nome social em todos os canais da BASF, sobretudo no crachá. A liderança inclusiva é um dos tópicos dos cursos de desenvolvimento, para que sejam formadas equipes conectadas com as necessidades de todos os públicos. O treinamento de vieses inconscientes é obrigatório para toda a liderança.
Whirlpool
Desde julho de 2015, a empresa possui o Programa de Diversidade e Inclusão, que reúne 22 funcionários. A empresa já realizou um workshop com o time de Compliance e uma oficina sobre direitos LGBTQ+ e a construção de guias de Cultura/Nacionalidade, além da primeira Semana da Diversidade. As ações têm como estratégias a Conscientização; os Grupos de Discussão; e ações nas redes sociais. Entre as iniciativas atuais estão a revisão de processos internos e a participação em fóruns externos formados por outras organizações, como Grupo Aliança e Fórum de Empresas LGBT, para a troca de práticas e discussão dos temas com o objetivo de conhecer como outras empresas trabalham o assunto.
P&G
Nos EUA, a multinacional conta, desde os anos 1990, com o Gable (Gay, Ally, Bisexual, and Lesbian Employees), que desenvolve ações em 39 países. No Brasil, as ações foram intensificadas na última década. O líder do grupo no país é o supervisor de logística Alexandre Ismael, de 26 anos. Ele entrou na empresa em 2014, como estagiário, e se integrou ao grupo em 2016. Segundo ele, mais de 150 pessoas estão engajadas no grupo, que realiza diversos eventos ao longo do ano, como a Semana de Diversidade e da Inclusão. Nos encontros, todos os colaboradores recebem orientações para tornar o dia-a-dia da empresa inclusivo. "O ponto de partida é explicar para as pessoas que não vivem a realidade LGBT+ o que é ser LGBT+ e mostrar como podem ser aliados e evitar o uso de linguagem ofensiva", diz.
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