Da arte aos mamilos no Instagram, 11 polêmicas envolvendo a nudez feminina
A representação do nu --especialmente o feminino-- enfrentou reações variadas ao longo da história: admiração, repúdio, protesto, desejo, pudor, sofrimento. Os sentimentos mudam, conforme o contexto e a época, mas volta e meia o corpo da mulher é alvo de controvérsia. Veja, a seguir, alguns exemplos emblemáticos:
1. Vulva em close
Um dos quadros mais polêmicos de todos os tempos, "A Origem do Mundo", do pintor realista francês Gustave Courbet (1819-1877), foi pintado em 1866 a pedido de um diplomata turco otomano, colecionador de arte erótica. A obra passou por diversas mãos, depois que o diplomata teve de se desfazer de seus bens por causa de dívidas de jogo, sempre provocando furor por mostrar o enquadramento do sexo de uma mulher deitada sobre uma cama. A ideia de Courbet foi se rebelar contra as regras vigentes na metade do século 19, que só permitiam o nu em contextos mitológicos ou sagrados. Em 2013, a revista francesa "Paris Match" publicou uma matéria revelando que a vulva faria parte de um quadro maior, mostrando a sua dona por completo. O Museu d'Orsay, em Paris, que mantém "A Origem do Mundo" em exposição desde 1995, nega tal versão. Em 2018, um professor francês processou o Facebook, alegando que a plataforma teria desativado o seu perfil em 2011 após um post com a imagem da obra. O Facebook alegou que foi usado um pseudônimo para abrir a conta, o que é proibido conforme suas diretrizes.
2. Fetiche beneficente
Nascida em uma família nobre anglo-saxônica na cidade Coventry, no atual Reino Unido, Lady Godiva (990-1067) se casou com o duque Leofrico, dono de várias terras e que cobrava altos impostos do povo. Com pena dos pobres, Lady Godiva pediu ao marido que retirasse a cobrança. E aqui se inicia uma das lendas com teor erótico mais famosas da história: Leofrico acatou o pedido, desde que ela cavalgasse totalmente nua pelas ruas da cidade. Godiva aceitou a proposta e o nobre mandou que toda a população se trancasse em casa enquanto ela desfilava pelada em seu cavalo. Marido satisfeito, impostos perdoados. Porém, segundo consta, um homem conhecido como Peeping Tom ousou espiar a bela e acabou ficando cego. Tema de filmes, livros e até música, Lady Godiva ganhou um dia em sua comemoração na Inglaterra: 31 de maio.
3. Tragédia icônica
Uma das fotos mais famosas da história tem a nudez feminina como chamariz. Porém, não sob um viés erótico nem estético, como forma de reverenciar a beleza de uma mulher. Feita em 8 de junho de 1972 por Huynh Cong "Nick" Ut, da Associated Press, a premiada imagem de uma menina vietnamita correndo nua pela rua após o bombardeio de sua vila é usada com frequência para ilustrar os horrores da guerra --no caso, a do Vietnã. Kim Phúc tinha apenas 9 anos de idade quando foi atingida por um ataque aéreo de napalm, substância altamente inflamável chamada de fogo líquido, produzida à base de gasolina gelificada. Seu corpo estava coberto pelo líquido que queima a pele a quase 800 ºC, mesmo sem pegar fogo, o que explica a expressão de dor e pânico imortalizadas na foto. As roupas já haviam sido queimadas. Com o corpo todo marcado, Kim sobreviveu, mora no Canadá e é embaixadora da Boa Vontade da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
4. Infância explorada
Uma das primeiras celebridades a assumir publicamente a depressão pós-parto, Brooke Shields, hoje com 53 anos, foi uma criança de beleza deslumbrante --e, por isso mesmo, não demorou para virar uma modelo mirim de sucesso e teve sua nudez explorada à exaustão. Uma foto sua com apenas 10 anos de idade, nua e enquadrada do joelho para cima, foi vendida em 2014 através de um leilão da Casa Christie's, de Nova York, por quase US$ 4 milhões. A imagem, feita pelo fotógrafo Gary Gross, serviu como base para outra obra, "Spiritual America" (1983), de Richard Prince, que teve ser retirada de uma exposição na galeria de arte Tate Modern, em Londres, em 2009, sob a acusação de estímulo à pornografia infantil. A maior polêmica, no entanto, viria com "Pretty Baby" (1978), filme de Louis Malle que mostrava a atriz, então com 12 anos, como uma jovem prostituta. Em várias cenas, Brooke surgia nua. Para evitar um alvoroço ainda maior do público e da crítica, ao interpretar a Emmeline de "A Lagoa Azul" (1980) a estrela foi substituída por uma dublê nas cenas sensuais. E, para evitar que seus seios aparecessem, mesmo com a personagem andando seminua pela ilha ao tempo todo, os produtores grudaram o cabelo da atriz nos seios.
5. Ataque sufragista
Consideradas obscenas, as pinturas com nus femininos eram consideradas raridades na Espanha no século 17, quando a inquisição ditava as regras de moral e bons costumes. Por isso a obra "Vênus ao Espelho", pintada em 1651 por Diego Velázquez (1599-1660) é valiosíssima: não só pela ousadia do artista mas por se tratar do único nu de Velázquez que sobreviveu à atualidade. Em 1906, "Vênus ao Espelho" foi comprado pelo Fundo Nacional de Coleções de Arte para a Galeria Nacional de Londres. Apesar de ter sido atacado e seriamente danificado em 1914 pela sufragista Mary Richardson (1882-1961), que usou uma faca para protestar contra o veto ao direito de voto feminino, o quadro logo foi totalmente restaurado e voltou a ser exposto. Com um exame minucioso, porém, é possível ver as marcas.
6. Pioneira em Hollywood
Em 1916, "A Daughter of the Gods" ("Uma Filha dos Deuses, em tradução livre) mostrou a primeira estrela a aparecer nua em um filme de Hollywood. A australiana Annette Kellerman (1886-1975) fazia papel de Alícia, uma mulher que se apaixona por um príncipe e pede a ajuda dos habitantes da Terra dos Gnomos para conquistá-lo. Na produção, considerada por Annette a melhor coisa que já tinha feito na vida, ela aparece nua sentada em um tronco de árvore com os longos cabelos cobrindo os seios. Foi o bastante para causar comoção. Em 1905, aos 18 anos, ela já tinha provocado polêmica como a primeira mulher a tentar atravessar a nado o Canal da Mancha. Após três tentativas frustradas, ela declarou: " Eu tinha a resistência, mas não a força bruta". Crítica dos trajes de banho femininos da época, ela acabou criando sua própria linha de maiôs de uma peça só e revolucionou a moda.
7. Protestos múltiplos
Desde sua primeira edição em abril de 2011 em Toronto, no Canadá, a Marcha das Vadias é fruto de muita discussão. Elas surgiram em repúdio às declarações do policial canadense Michael Sanguinetti, que sugeriu em uma palestra que se as mulheres não se vestissem como "vagabundas" não seriam vítimas de estupro. No Brasil, a primeira edição do evento aconteceu em junho de 2011. Na marcha, muitas das participantes usam lingerie e roupas consideradas "provocantes". Outras protestam com os seios de fora. A nudez e o nome da marcha volta e meia são mal compreendidos por conservadores, que criticam a exposição do corpo feminino num evento aberto ao público. Essas críticas, em contrapartida, geraram novas reclamações por parte das manifestantes --feministas, em sua grande maioria--, que justificam que o corpo da mulher só é aceito pela sociedade quando é alvo de pornografia e objeto de consumo na mídia.
8. Pela paz mundial
Em 1964, a artista plástica Yoko Ono promoveu a icônica performance "Cut Piece" no Japão como uma forma de promover a paz no mundo. Na apresentação, ela permanecia estática no palco enquanto o público cortava pedaços de sua roupa até deixá-la completamente nua. A nudez, para Ono, sempre foi uma forma de chamar a atenção para questões relevantes, como a Guerra do Vietnã. Em 1969, ao lado do marido John Lennon (1940-1980), ela convidou a imprensa para acompanhar sua nudez na cama de um hotel de Amsterdã, na Holanda. O protesto durou quatro dias. No mesmo ano, o casal lançou o álbum "Unfinished Music No. 1: Two Virgins", em cuja capa os dois surgem completamente nus. A ideia, segundo Lennon, foi mostrar propositalmente um casal com uma aparência pouco atrativa: "dois ex-junkies com um pouco de sobrepeso", descreveu, na época.
9. Questão de saúde pública
Em 1988, numa atitude corajosa e ousada para a época, a atriz Cássia Kis Magro apareceu em uma campanha do MS (Ministério da Saúde) sobre a conscientização em relação ao câncer de mama. No vídeo, a atriz aparecia com os seios à mostra, ensinando o público feminino como se faz o autoexame. A campanha causou um alvoroço na ocasião pelo ineditismo do assunto e da maneira como foi abordado. Em entrevistas, Cássia comentou que muitas pessoas --homens e mulheres-- a abordaram na rua para elogiar a iniciativa. Ela repetiu a dose em 2002, numa campanha ao lado do ator Herson Capri, e em 2006 foi homenageada pela SBM (Sociedade Brasileira de Mastologia).
10. Em prol da liberdade
A capixaba Dora Vivacqua (1917-1967) passou boa parte da infância em Belo Horizonte (MG), onde seu programa favorito era visitar o serpentário. Já adulta e artista, apresentava-se em circos e teatros totalmente nua, enrolada em cobras. Inspirada pelo nome de um batom durante uma temporada na Argentina, decidiu usar o nome artístico de Luz Del Fuego. Em 1950, chocou a sociedade carioca ao desfilar nua sobre um carro e fundou o primeiro clube naturista brasileiro na Ilha de Tapuama de Dentro, na Baía de Guanabara, Rio de Janeiro. O surgimento do local deu o que falar na época e recebeu visitantes famosos da época de ouro de Hollywood, como Errol Flynn, Lana Turner, Ava Gardner, Glenn Ford e Brigitte Bardot. À frente de seu tempo e alinhada com os ideais feministas, Luz Del Fuego gostava de desafiar a hipocrisia, os preconceitos e a intolerância dos brasileiros. Seu comportamento ousado lhe rendeu várias internações psiquiátricas por parte da família. Ela foi assassinada, junto com o caseiro, por dois pescadores cujas atividades criminosas tinha denunciado alguns anos antes de sua morte.
11. Mamilos censurados
A política pouco clara do Instagram sobre a nudez tem feito várias mulheres se posicionarem criticamente em relação à rede social --que, volta e meia, censura imagens sem a mínima conotação sexual, como fotos de amamentação. Em 2014, a cantora Rihanna sofreu censura ao compartilhar com seus seguidores a capa da revista francesa "Lui", na qual aparecia com os seios à mostra. Como retaliação a cantora abandonou a rede social por seis meses, mas depois voltou. Em 2018, uma foto da atriz Leticia Colin com os seios de fora na capa da revista "Marie Claire" também foi censurada - o objetivo da artista, ao fazer a foto era justamente questionar o tabu da nudez feminina. Como consequência, várias atrizes passaram a repostar a imagem. Em maio desse ano, a atriz Sarah Silverman postou o close de um mamilo masculino, que logo foi deletado. Sua intenção foi mostrar que não há como o Instagram identificar o gênero dos mamilos - portanto, qual o sentido de permitir os masculinos e os femininos, não?
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