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Empresa oferece congelamento de óvulo como benefício pra mulheres; por quê?

Congelamento de óvulo seria forma de enfrentar dilema de mulheres entre maternidade e carreira - iStock Images
Congelamento de óvulo seria forma de enfrentar dilema de mulheres entre maternidade e carreira Imagem: iStock Images

Natália Eiras

Da Universa

04/06/2019 04h00

A representante propagandista Leandra Balsamão, 37, de Belo Horizonte (MG), começou a sentir, no ano passado, o tique-taque do relógio biológico. Casada há 13 anos, ela não queria ter que escolher entre a maternidade e a carreira. "Decidi não engravidar porque estou no auge da minha vida profissional. Acabei de ganhar uma promoção e estou estudando uma nova língua", fala em entrevista à Universa. Mas sua escolha não é tão simples assim.

Um estudo da Queen Mary University, de Londres, diz que, após os 35 anos, a qualidade dos óvulos de uma mulher cai bastante e, com isso, aumenta a probabilidade do bebê nascer com Síndrome de Down. Por isso, Leandra estava se sentindo pressionada a ter filhos. A solução que ela encontrou foi congelar os óvulos. A empresa onde a representante trabalha, os laboratórios Ferring, oferece, desde 2017, o procedimento como benefício para seus funcionários. "Tirei uma preocupação do meu caminho para focar mais na minha carreira", diz Leandra.

A procura pelo congelamento de óvulos teve um aumento significativo no Brasil. Segundo o SisEmbio (Sistema Nacional de Produção de Embriões), da Anvisa, em 2017, por volta de 75,5 mil embriões foram congelados no Brasil, um crescimento de 13% em relação a 2016, quando isso aconteceu com 66,5 mil embriões. O órgão não informa dados totais de óvulos congelados (é um número diferente do de embriões), mas aponta que em 2017 houve um total de 340,4 mil óvulos produzidos -- não necessariamente congelados.

Segundo apuração da BBC em 2018, a Clínica Huntington, uma das maiores de São Paulo, praticamente triplicou o número de pacientes que congelaram seus óvulos em cinco anos: em 2012, 122 mulheres passaram pelo procedimento; em 2017 foram 353 -- um salto de 189%. Na clínica Fertility, também em São Paulo, em 2013, 65 mulheres congelaram seus óvulos. Foram 180 no ano passado, um aumento de 176% na procura pelo serviço.

Há pelo menos cinco anos, empresas como Microsoft, Apple e Facebook começaram a oferecer o procedimento, que pode custar de R$ 10 mil a R$ 20 mil, para seus trabalhadores. A anuidade para mantê-los lá é por volta de R$ 2 mil (bancada pelo funcionário). A headhunter e coach de carreira Luciana Tegon diz que é uma forma de atrair e manter talentos dentro da empresa. "É uma 'solução' para o dilema feminino que é escolher entre o papel de mãe e de profissional.", fala a profissional. "Elas precisam tomar essa decisão no auge da carreira. Para não perder boas executivas, as empresas oferecem um conforto psicológico em forma do congelamento de óvulos".

A diretora de recursos humanos do laboratório Ferring, Claudia Wrona, conta que a iniciativa surgiu durante uma reunião sobre celebrações para o Dia das Mães. "A gente entende que a maternidade ou a paternidade é um sonho de muitos dos nossos funcionários e temos prazer em viabilizar isso", fala. A companhia oferece o procedimento para trabalhadoras e, desde 2019, a mulheres de funcionários ou funcionárias de até 39 anos. Não há critério de cargo ou tempo de casa. Claudia acredita que o projeto aumenta o engajamento dos trabalhadores. "E pessoas mais engajadas, mais comprometidas, têm uma produção maior e de melhor qualidade", afirma.

Segundo Luciana, o congelamento de óvulos deve ser, de forma mais ampla, um benefício mais comum para mulheres em cargos de liderança ou de gerenciamento de grandes empresas. "Essas executivas estarão 'livres' para explorar sua performance, focar em resultados, sem se sentir pressionada pelo relógio biológico, porque saberão que poderão construir uma família em um momento mais oportuno", diz a especialista.

Benefício ou controle?

O benefício é criticado por ser um procedimento bastante invasivo e caro. Leandra Balsamão teve, por exemplo, que passar por uma consulta prévia, regular o ciclo menstrual, fazer a estimulação com medicação e, depois disso, passar uma tarde na clínica para fazer a coleta de óvulos. O tratamento durou por volta de 45 dias. Além disso, no caso do laboratório Ferring, os gastos com a manutenção dos óvulos e da implantação são por conta dos funcionários e a conta pode sair cara. "Pago, anualmente, uma taxa de R$ 2 mil para armazenar os 13 óvulos que foram coletados", afirma Leandra.

O advogado Leone Pereira da Silva Junior, coordenador da Área Trabalhista e professor de Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho e Prática Trabalhista do Damasio Educacional, diz que, ao oferecer o benefício, a companhia pode estar indiretamente interferindo na escolha da funcionária de ser mãe. "Se uma empresa deixar de lado a dignidade de seus trabalhadores e pensar puramente no negócio, incutir na mulher a ideia de adiar a gravidez é financeiramente interessante", diz o especialista.

O benefício pode ser, segundo Leone, uma forma das companhias fugirem do compromisso com mulheres em licença-maternidade -- afinal, R$ 30 mil pode ser barato se comparado à soma do salário dos meses em licença. "Isso se não levarmos em conta que as empresas podem fechar pacotes com as clínicas e o valor do procedimento será muito mais em conta do que os custos de manter uma funcionária grávida", afirma. Este tipo de caso já é, inclusive, discussão na Europa e nos Estados Unidos, onde o congelamento de óvulos como benefício trabalhista já é mais comum.

Luciana discorda. Mesmo com os óvulos congelados, pode ser que a mulher decida engravidar naturalmente. "A empresa nunca tem um controle sobre os planos da mulher, por mais que ela verbalize que não queira ter filhos. É um processo biológico. Mesmo que a mulher diga que não quer ser mãe, nunca se sabe o que pode acontecer."

No entanto, as companhias têm uma motivação monetária por trás da iniciativa. "Várias pesquisas demonstram que companhias que contam com mulheres em altos cargos, nos conselhos de gerenciamento, tem uma maior taxa de rentabilidade", afirma Luciana. Um estudo de 2017 da consultoria McKinsey afirma que empresas com diversidade de gênero em suas equipes executivas -- onde a maior parte das decisões estratégicas e operacionais são tomadas -- tem 21% mais chances de terem lucro em comparação a outras companhias. "Assim, inequivocamente, o congelamento de óvulos vai acabar, indiretamente, ocasionando uma maior igualdade de gênero em cargos de liderança", afirma Luciana Tegon.

Leandra Balsamão pretende implantar os óvulos que estão congelados em, no máximo, 24 meses. A representante diz que não passa dos 40 anos sem engravidar. "Porque vou ter mais tempo para conquistar as coisas que gostaria e poderei aproveitar a maturidade e a maternidade juntos", diz.