Ela manteve a gestação após a morte de um dos filhos gêmeos
A servidora pública Patricia Alves Abdo, 34, e o marido, Filipe Abdo, 37, se preparavam para a chegada de gêmeos quando um ultrassom na 34ª semana de gestação mostrou que o coração de um deles havia parado de bater.
Com a opção de fazer uma cesárea de emergência ou levar a gravidez adiante, eles esperaram mais duas semanas para fazer o parto. "Nós decidimos manter a gestação após a morte do Caio para não prejudicar o desenvolvimento do Álvaro. Eu já tinha perdido um filho, não queria perder o outro". Eles nasceram de parto normal, com 36 semanas, no último dia 8 de maio. Conheça a história da família:
"Eu tenho endometriose, tentei engravidar por três anos, mas como não consegui, eu e o meu marido fizemos uma fertilização in vitro. Foram implantados dois embriões na expectativa de que um desse certo. Foi o máximo quando descobrimos que teríamos gêmeos.
A gravidez foi tranquila, a barriga cresceu rápido, estava tudo dentro do normal até que com 23 semanas fiz o morfológico e foi constado que o Álvaro estava se desenvolvendo bem, mas o Caio tinha uma cardiopatia e uma alteração cerebral que indicava que ele poderia ter um atraso intelectual ou alguma síndrome. Uma das formas de saber efetivamente o que ele tinha era fazendo um exame invasivo. Eu e o Filipe preferimos não fazer por haver o risco de aborto e porque, independentemente do diagnóstico, isso não mudaria a nossa conduta, nós manteríamos a gestação.
Apesar de não ter feito o exame, a obstetra que me acompanhava afirmou que ele tinha Síndrome de Down. Foi um baque, é como se eu tivesse perdido um filho idealizado que eu achava que seria de um jeito e seria de outro. Em um primeiro momento chorei muito e acreditei no que ela disse. Procurei informações sobre como era o desenvolvimento de uma criança assim e entrei em grupos de apoio de mães com filhos com a síndrome. Nunca passou pela minha cabeça que fosse algo mais grave ou que o Caio não fosse sobreviver.
Nesse processo trocamos de obstetra, não me senti acolhida da forma como ela conduziu a situação. Buscávamos um atendimento mais humanizado onde fôssemos compreendidos.
Encontramos uma nova equipe e a primeira informação positiva que recebi foi a de que eu poderia tentar o parto normal. A antiga obstetra havia dito que no meu caso só seria possível uma cesárea.
Com 34 semanas, o coração do Caio parou de bater
Segui confiante na gravidez, mas, com 34 semanas fiz um ultrassom que me deixou abalada. A ultrassonografista disse que estava tudo certo com o Álvaro, mas, que não tinha uma boa notícia em relação ao Caio. Ela falou: 'Sinto muito, mas, infelizmente o coraçãozinho dele parou de bater'. Entrei em desespero ao me dar conta de que meu filho havia morrido. Perdi o chão.
Eu e o meu marido passamos com uma psicóloga e nos encontramos com o meu obstetra. Ele disse que havia duas opções. Uma seria fazer a cesárea naquele mesmo dia ou no dia seguinte, mas, como consequência, provavelmente o Álvaro ficaria na UTI por causa da prematuridade. E a outra seria aguardar até 36 semanas para fazer o parto. Nesse período, ele faria semanalmente exames de sangue e de imagem para monitorar o meu quadro e o do Álvaro. Com esse acompanhamento, o fato de o Caio não ter sobrevivido não traria riscos à minha saúde nem a do irmão porque eles estavam em placentas diferentes.
Nós decidimos manter a gestação após a morte do Caio para não prejudicar o desenvolvimento do Álvaro. Eu já tinha perdido um filho, não queria perder o outro. Meu pensamento era fazer o melhor para ele.
As duas semanas seguintes foram pesadas. Era muito difícil saber que eu carregava dentro de mim um bebê com vida e outro sem. Eu saía na rua para ir fazer os exames e as pessoas comentavam: 'Nossa, que barriga grande, está quase nascendo'. Ou perguntavam: 'É menino ou menina?'. Eu não sabia o que responder. 'Como ia explicar que eram gêmeos e que um estava vivo e o outro não?'. Só contamos para a família e amigos mais próximos.
Gêmeos nasceram de parto normal
Com 36 semanas, nós fizemos a indução do parto normal. O trabalho de parto durou 17 horas. O Álvaro já estava encaixado e foi o primeiro a nascer, com 2,7 kg e 45 cm. Fiquei emocionada ao ouvir o choro dele, ele veio direto para o meu colo. Ficamos um tempo juntos e comecei a sentir as contrações. Quase uma hora depois, o Caio nasceu sem vida com 1,4 kg, empelicado dentro da bolsa -- ela não havia rompido. Não pude pegá-lo nos braços, mas a equipe o colocou em um berço do meu lado.
Naquele momento, vivi um turbilhão de emoções, eu dei luz à gêmeos, mas só um voltaria para casa comigo. Eu estava feliz pela vida do Álvaro, mas triste pela perda do Caio. Na despedida, eu chorei em silêncio e mentalizei que ele fosse em paz. No dia seguinte ele foi cremado, eu não pude acompanhar a cerimônia porque fiquei internada, meu marido foi sozinho. Foi colhido um material genético do Caio para verificar se ele tinha alguma síndrome. Talvez essa descoberta indique a causa da morte. O resultado sai em 60 dias.
Tudo o que foi personalizado com o nome dos dois, o quarto, as lembrancinhas do nascimento e o enfeite da porta da maternidade foi mantido para honrar e preservar a memória do Caio. As pessoas têm dificuldade de falar sobre perda gestacional, preferem fingir que não aconteceu, mas escondê-la é pior para o processo de luto. Nenhuma família deveria sofrer sozinha, é por isso que eu compartilho a minha dor e encaro o que aconteceu.
Álvaro enche o meu coração de alegria
Ser mãe é uma experiência incrível, eu tive dois anjos. O Caio nasceu depois do Álvaro e será para sempre o meu segundo filho. Ele teve uma missão e ela foi cumprida, que foi me apresentar o outro lado da maternidade, me mostrar a luta de mães que têm filhos com necessidades especiais, ou que, assim como eu, tiveram uma perda gestacional. Com ele, eu aprendi que existem pessoas diferentes e todos pertencem ao mesmo mundo.
Estou encantada com o Álvaro, meu coração se enche de alegria com ele. Por outro lado, choro pensando como seria se o Caio estivesse aqui. Os sentimentos de felicidade e tristeza se misturam, mas a vida continua e exige força e resiliência para seguir em frente. Eu não sinto raiva, nem revolta, apenas aceito o que aconteceu".
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