Topo

Estuprador no Alabama disputa guarda do filho com mulher que estuprou

Jessica Stallings afirma ter engravidado quatro vezes através de estupros do tio - Audra Melton/Washington Post
Jessica Stallings afirma ter engravidado quatro vezes através de estupros do tio Imagem: Audra Melton/Washington Post

Da Universa

10/06/2019 10h56

A advogada especialista em estupro Portia Shepherd está lidando com um dos casos mais desafiadores de sua carreira. No estado norte-americano do Alabama, uma mulher procurou o Serviço da Família buscando ajuda. Aos 15 anos, ela foi estuprada pelo próprio tio que, depois de uma temporada na cadeia por tráfico de drogas, gostaria de obter a guarda das crianças que nasceram após o abuso.

Jessica Stallings afirma ter engravidado quatro vezes do meio-irmão de sua mãe, Lenion Richard Barnett Jr. Dois filhos morreram e os outros dois hoje estão com 12 e 15 anos. No Alabama, o homem estuprador tem direito a ter a guarda dos filhos.

"É a coisa mais louca que já ouvi na minha vida. No estado, as pessoas ficaram chocadas. Como o Alabama pôde deixar escapar essa lei?", pergunta Portia Shepherd, em entrevista ao "Washington Post". O Alabama é um dos dois estados americanos que não contam com um estatuto que encerra os direitos paternos para uma pessoa que engravide uma mulher por meio de estupro ou incesto. A questão se fez ainda mais inflamada desde a aprovação das novas leis do estado.

Em maio, o Alabama aprovou uma das leis mais restritivas em relação ao aborto nos EUA, ação comum entre Legislativos estaduais controlados por republicanos. Nas últimas duas décadas, 25 estados aprovaram medidas duras em relação ao aborto, enquanto quatro optaram por projetos mais liberais. No Alabama, o aborto é proibido em qualquer estágio da gravidez e os médicos são criminalizados pelo procedimento. Há exceções para os casos que envolvem riscos para a saúde da mãe, mas não para estupro ou incesto. Na última semana, outra lei foi aprovada no estado, exigindo a castração química para pedófilos condenados por crimes sexuais com crianças de até 13 anos.

Ativistas pelo direito do aborto se preocupam que as novas leis do Alabama possam reduzir o acesso ao procedimento, forçando que as vítimas de estupro tenham que criar seus filhos ao lado dos agressores.

No último mês, congressistas do estado planejaram um projeto de lei que colocaria fim aos direitos paternos em caso de estupro com gravidez, mas a parte foi removida pela legislatura, limitando a lei a casos de pais que agridam sexualmente seus filhos. Alguns congressistas sugeriram que o trecho removido exclui meninos que sejam agredidos sexualmente porque eles não podem ficar grávidos. "É completamente desagradável, injusto e perigoso para essas mães e crianças", defende a senadora Vivian Figures, que votou contra a proibição do aborto no estado e ainda revela que não sabia que o Alabama precisava de um estatuto que impedisse estupradores de obter a custódia dos filhos.

Rebecca Kiessling, advogada antiaborto e que foi concebida por um estupro, considera que tais leis ajudam a proteger as mulheres que optam por manter a gravidez. "Talvez elas não abortariam ou dariam a criança para adoção se elas soubessem que estão protegidas", opina. Enquanto isso, as leis dos direitos paternos também geram controvérsia. Ned Holstein, presidente da Organização Nacional de Pais, acredita que permitir que varas de família cortem direitos parentais ao se basear em acusações de estupro é um "convite aberto à fraude".

"Tirar uma criança de alguém é grave. E se isso é feito a um inocente pai, você também está negando à criança o próprio pai para sempre e colocando-a na única custódia de um progenitor cruel que está desejando fabricar uma acusação abominável", diz Ned Holstein, que advoga pela guarda compartilhada em casos de divórcio.

Somente Alabama e Minnesota não têm leis que acabam com direitos paternos em casos de estupro. Os outros estados adotaram tais leis após a aprovação no Congresso do Ato de Custódia da Criança Fruto de Estupro (Rape Survivor Child Custody Act) de 2015, que ainda concede ajuda financeira a vítimas de agressão sexual nos estados que permitem que as varas da família encerrem os direitos do progenitor quando existe "clara e convincente evidência" de que a criança nasceu por um estupro.

De acordo com uma análise da Conferência Nacional de Legislaturas Estaduais e dados do Departamento de Justiça, mais da metade dos 50 estados americanos utilizam o padrão da "clara e convincente evidência", enquanto cerca da outra metade exige a condenação por estupro para acabar com os direitos do progenitor.

Os ativistas defendem que a necessidade de condenação é um padrão alto demais para se alcançar, uma vez que três a cada quatro estupros nos Estados Unidos não são reportados, de acordo com análise do grupo de advogados sem fins lucrativos RANN (Rede Nacional de Estupro, Abuso e Incesto -- do inglês Rape, Abuse and Incest Nacional Network). Com base em dados fornecidos pelo Departamento de Justiça, a RAINN estima que menos de 1% de todos os estupros levam a condenação criminal e prisão.

Estima-se que os números de gestações a partir de estupro nos EUA varia entre 7.750 e 32 mil, mas não há dados precisos sobre quantas mulheres permanecem com os filhos, dizem especialistas. Para as que criam as crianças, não é estranho que os homens procurem envolvimento em suas vidas, já que 90% dos estupros são cometidos por agressores conhecidos de suas vítimas, como afirma Maralee McLean, autora do livro "Prosecuted, But Not Silenced: Courtroom Reform for Sexually Abused Children" (sem versão em português).