Stalker pode virar crime: falso produtor que perseguia mulheres é preso
A jornalista Ellen Martins viveu meses insones e intranquilos. Seu celular tocava sem parar. Foram centenas de ligações. O telefone do escritório onde ela trabalha também não parava. Em uma só semana, foram 35 ligações ao seu trabalho.
Do outro lado da linha, uma voz que a ameaçava de morte. Essa voz é a de Agnaldo Santos Pereira Junior. Preso temporariamente nesta segunda (10), ele é suspeito de perseguir, ameaçar e importunar sexualmente cerca de 30 mulheres jornalistas, assessores de imprensa e modelos. Agora, as vítimas defendem uma lei que reconheça e puna esse tipo de crime.
Falso produtor de TV
Agnaldo se passava por produtor da Record TV para conseguir contato de jornalistas e acesso a eventos. A emissora sempre negou que o suspeito fosse seu funcionário. No ano passado, Universa conversou com dez vítimas do falso produtor.
Na ocasião, ele negou as acusações e afirmou que iria processar o UOL. Desta vez, a defesa do suspeito, Vitoria Stamile, diz que não vai se pronunciar. Ela ainda pediu à reportagem que a matéria não fosse publicada.
Quem eram as vítimas
As vítimas do suspeito, segundo um documento do Ministério Público, assinado pela promotora Gabriela Manssur, ao qual a Universa conseguiu acesso, eram divididas em dois grupos. O primeiro era formado por jornalistas e assessoras de imprensa. Neste caso, Agnaldo teria se apresentado como produtor de TV para ter acesso a eventos e contato das profissionais. O segundo grupo era de modelos.
Quando ia a eventos e apresentava informações desencontradas, era questionado pelas jornalistas. Contrariado, ele, então, passava a ameaçá-las com mensagens e telefonemas com ameaças de morte e tentativa de constrangê-las diante de chefes e colegas de trabalho.
O suspeito é acusado de mudar o número de telefone e usar nomes como "Junior de França" ou "Junior Pereira" em perfis falsos nas redes sociais. Assim, ele teria continuado as perseguições quando era bloqueado pelas vítimas.
Já para as modelos, o MP afirma que Agnaldo teria oferecido vagas de emprego e participação em eventos. Em troca, ele pedia imagens íntimas das candidatas e enviado imagens da genitália sem o consentimento delas. Quando elas se recusavam a enviar as fotos, ele fazia ameaças em que dizia que iria destruir a carreira delas.
"É um grande alívio saber que terei dias de paz enquanto ele estiver preso. Que sair na rua será um processo natural e não um motivo de estresse e preocupação se estou sendo seguida", desabafa Ellen.
Caçada
Em 2017, uma assessora publicou em um grupo no Facebook que era perseguida por Agnaldo e recomendou que as jornalistas do grupo bloqueassem o número do suspeito. Dezenas de mulheres também alertaram que haviam sido vítimas do mesmo homem. O histórico dos relatos se estende até 2011.
Agnaldo teria visto a publicação. "Comentei que era necessário fazer o boletim de ocorrência e representá-lo na Justiça. Logo na sequência, ele pediu para me adicionar no Facebook, no Instagram. Bloqueei imediatamente e foi ai que começou a ''caça'. Ele descobriu onde eu trabalho pelas redes sociais, enganou as secretárias e conseguiu meu celular", lembra Ellen.
Já no ano passado, as ameaças se repetiram. Ellen fez um boletim de ocorrência sabendo que "não iria dar em nada" -- no fim, isso fez toda a diferença.
O ato da perseguição era considerado crime de menor potencial ofensivo e a jornalista diz ter até discutido com um delegado que não se empenhou nas investigações.
Foi então que Ellen e mais uma vítima se uniram em um grupo chamado "Operação Stalker". O nome também foi adotado pelo Ministério Público paulista, que recebeu as acusações e pediu a prisão temporária ao suspeito.
'Stalker' é um termo em inglês para designar alguém que persegue outra pessoa.
Medo
O medo das vítimas era, justamente, de que o crime de perseguição não fosse amparado pela Lei Maria da Penha. Segundo a lei, as medidas de proteção às mulheres só podem ser aplicadas se o agressor estiver algum convívio com a vítima. "Nem medida protetiva de urgência a gente tinha direito", desabafa.
Mesmo sem previsão em lei, o caso foi entendido pelo MP como uma violência de gênero.
No pedido de prisão, o órgão afirmou que "muitas vítimas que perderam trabalho, mudaram sua rotina, de cidade, perderam a credibilidade diante de colegas, a paz, a saúde e vivem atemorizadas, pois até agora nenhuma medida foi tomada para a proteção dessas mulheres, que se sentem totalmente desprotegidas, sem apoio do Estado e do sistema de Justiça".
Promotores paulistas uniram as provas contra Agnaldo e pediram prisão por falsidade ideológica, perseguições, ameaças, constrangimentos, coação no curso do processo, falsa identidade, estupro e violação sexual por meio virtual. Também foi aberto um pedido de busca e apreensão de computadores e celulares.
O suspeito foi preso nesta segunda (10) e encaminhado a um distrito policial na região central de São Paulo.
Quando soube da ordem de prisão, ele mandava mensagens rindo e dizendo que pagaria apenas 2 mil de fiança e sairia impune, pois no Brasil esse tipo de crime não daria em nada
diz jornalista
Elas querem que a lei mude
Agora, Ellen e as vítimas defendem alterações na lei para tipificar o crime de 'stalker'.
Um texto, escrito em conjunto com o Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (Fonavid), foi enviado a deputados e senadores com um pedido de para inclusão do crime de "Perseguição insidiosa (stalking)" ao Código Penal.
O texto defende prisão de dois a quatro anos e multa a quem persegue uma pessoa de maneira reiterada, ao vivo ou por meio cibernético. No senado, já se discute um projeto de lei para endurecer a pena contra esse tipo de crime.
"A prisão foi apenas o primeiro passo, é preciso mais que isso. Enquanto o crime de stalking não for tipificado, o agressor vai continuar impune, pois não existe legislação para criminalizar ações como a que sofremos. Nenhuma lei nos protege", conclui a vítima.
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