Ela fugiu da Guerra do Congo e inspirou personagem em "Órfãos da Terra"
Prudence Kalambay, 39, fugiu do Congo em 2005, em meio à guerra entre governo e grupos paramilitares que, em 20 anos, matou mais de 6 milhões de pessoas em uma disputa por poder --é o conflito mais sangrento desde a 2ª Guerra Mundial. A maior parte da carnificina acontece na área rural mas, na capital, Kinshasa, onde ela vivia, congoleses também eram mortos por suas posições políticas.
Após sofrer perseguição política, Prudence decidiu fugir para Angola. "Sabia que minha vida estava em risco", diz. Uma noite, atravessou andando a fronteira e, após caminhar por dois dias, estabeleceu-se na capital, Luanda.
Foi lá que conheceu e ficou viciada em novelas brasileiras. "Via 'Cobras e Lagartos', com Lázaro Ramos e Thaís Araújo, e lembro que moravam em uma mansão linda. Meu sonho era viver naquela casa", conta. Com medo de ser encontrada, começou a pensar em um novo destino. Partiu, então, para o Brasil, grávida e com uma filha.
Prudence é uma das pessoas que aparecem na abertura da novela "Órfãos da Terra", da Globo, e sua história inspirou a personagem Marie, vivida pela atriz Eli Ferreira. Leia o seu relato:
"Saí com minha filha de quatro anos nos braços em uma noite de 2005 decidida a atravessar a fronteira do Congo com Angola. Eu era modelo e funcionária do governo. Por causa disso, soube que estava correndo risco. Eu fiz a travessia caminhando. Minha filha foi de kombi. Não posso dar muitos detalhes sobre isso porque pode ser perigoso para mim e para pessoas que ainda moram lá.
A vida dos angolanos é à moda brasileira, e eu assistia a muitas novelas. Foi por causa delas que decidi vir para cá, onde estou há 11 anos. Eu me lembro de ver 'Cobras e Lagartos' [Globo, 2006], com Lázaro Ramos e Thaís Araújo. Eles moravam em uma mansão e pensava comigo: 'Quero morar em uma casa assim'.
Dois anos se passaram, e eu ainda tinha medo de que os rebeldes do Congo me encontrassem, por isso decidi me mudar para o Brasil. Cheguei ao Rio de Janeiro com meu marido, uma mala pequena, minha filha, então com seis anos, e grávida. Ao desembarcar, pedi ajuda a um grupo de congoleses que conheci no aeroporto mesmo. Eles também eram refugiados.
Nos levaram para o bairro Brás de Pina, na zona norte do Rio, onde há uma comunidade congolesa. Meus conterrâneos me ajudaram muito. Trabalhava como caixa de um supermercado e tive outros três filhos.
Após sete anos no Rio, decidi me mudar para São Paulo para tentar uma nova vida.
Em São Paulo, primeiro, fiquei na casa de amigas. Depois, morei em um prédio ocupado no bairro da República, no centro da cidade. Até que conheci a Missão Paz, entidade que ajuda imigrantes refugiados. Consegui alguns empregos, como auxiliar de cozinha e de confeitaria.
Depois de me separar, fui viver em uma quitinete, onde estou até hoje. Sou mãe solo de cinco filhos e os crio sozinha.
Atualmente, meus trabalhos são voltados para eventos sobre refugiados. Faço palestras no Sesc, cozinho e falo sobre literatura congolesa. Eu também dou um workshop de dança e moda africana. Fico muito feliz por trabalhar com a minha história e minhas raízes. Os refugiados do Congo, e de outros países da África, são pessoas com muita bagagem cultural. Temos muito conhecimento para oferecer.
Uma mulher de uma ONG um dia me procurou dizendo que a Globo estava atrás de refugiados para a abertura de uma novela. Eu me inscrevi, fiz testes de vídeo e passei. Fiquei um dia gravando. Minha história também serviu de inspiração para a personagem Marie, vivida pela atriz brasileira Eli Ferreira. Marie também é uma refugiada congolesa que vive no Brasil.
Ainda quero viver naquela casa que via na novela 'Cobras e Lagartos', mas, além disso, meu sonho é poder ajudar outras mulheres congolesas, que são estupradas por militares e mortas, a fugirem da guerra como eu fiz. A cultura do meu país é linda, mas ele está devastado pela guerra. E foi esquecido pelo resto do mundo.
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