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"Tenho uma doença rara, me acho linda e dou aula de maquiagem no YouTube"

Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Manuela Aquino

Colaboração para Universa

24/06/2019 04h00

Ela tem um canal no YouTube chamado Cinderela Country, em que fala de sua vida e divide aulas de maquiagem com mais de 250 mil pessoas. Até aí, tal como muitas blogueiras que conhecemos. Mas Paloma Lira, de 22 anos, tem uma doença rara, a ictiose lamelar, que causa descamação da pele. E isso a faz se destacar no meio de tantas que procuram um espaço nas redes sociais, não pela diferença, e sim pela lição de autoestima. "Nunca deixei de me achar bonita. Minha mãe sempre me disse que Deus me fez assim, que o que importa é a vida, não o que está por fora", diz a estudante de Direito, de Pirapozinho, interior de São Paulo.

A ictiose congênita lamelar é causada por uma mutação genética. Paloma tem a pele muito seca, com escamas, e já passou por 11 cirurgias para reconstruir a pálpebra. Aqui, ela conta à Universa como lida (muito bem, obrigada) com a questão.

"Há alguns tipos de ictiose. A minha é a congênita lamelar. Essa doença deixa a pele escamosa, rachada e, às vezes, sangrando. Quando nasci, em um hospital em Presidente Prudente, perto de Pirapozinho, onde vivo, no interior paulista, os médicos perceberam que havia algo diferente, mas não souberam diagnosticar na hora. Fui direto para a unidade intensiva e disseram para a minha mãe (Sandra Regina Ferreira Lira, 45) que eu não ia sobreviver 24 horas. Acabei ficando três meses na UTI, pois tinham medo de me liberar.

Na época, um jornal fez uma matéria falando da doença rara e um dermatologista da cidade, Wilson Vidal, se ofereceu para me tratar de maneira gratuita. Foi um anjo na minha vida. Minha mãe era empregada doméstica e não teria como bancar o tratamento. Passei, então, a tomar remédio e a passar cremes na pele para melhorar minha condição, que não tem cura.

Paloma Lira - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Quando nasci, meu olho não fechava. Tive de fazer uma cirurgia ainda bebê para colocar um enxerto como se fosse uma pálpebra. Depois fiz mais uma aos 4 anos e assim foi. Sorte que apareceu mais um anjo na minha vida, o oftalmologista Edwal de Freitas, da Universidade de Campinas. Quando pequena morei, durante um ano, na casa dele com minha mãe para que ele pudesse cuidar de perto do meu caso. Hoje, com 22 anos, já passei por 11 cirurgias, pois meu corpo absorve a pele.

Além do olho, outras coisas foram sofridas na infância. Foi difícil engatinhar e andar, porque minha pele sangrava pelo contato. Também sou muito sensível ao calor ou frio excessivo, a pele racha. Mas, com o passar dos anos, as coisas ficaram mais leves, a pele foi melhorando e sempre tive apoio da minha mãe. Ela sempre me disse 'Deus te fez assim, te deu a vida, não tem do que reclamar, isso é só você por fora'.

Na escola, recebi alguns nomes pejorativos; me chamavam de lobisomem. Era triste, mas eu nunca fiquei deprimida. Nem reagia. No ensino médio, mudei de escola, e já era conhecida na cidade, todo mundo sabia o que eu tinha e foi bem tranquilo. Sempre tive amigos e não deixava de fazer nada por causa da minha pele. Nunca tive problema para ficar com os meninos. Tive meu primeiro namorado aos 15 anos, ele levava numa boa, família e amigos deles também, não tinha problema nenhum de aceitação.

Comecei a ver e curtir os tutoriais de maquiagem no YouTube e passei a me maquiar. Eu adorava! Na época, um amigo sugeriu que eu fizesse um canal para ensinar outras pessoas a fazer make e também para contar sobre minha vida. Fiz e dei o nome de Ciderela Country, já que amo rodeios e ando a cavalo desde pequena. Tenho mais de 250 mil inscritos. Amo maquiagem e faço looks lindos. Só não posso usar maquiagem todos os dias para não agredir minha pele.

Paloma Lira - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Além dos vídeos, estou me dedicando às competições de cavalo na categoria de três tambores. Treino todo final de semana e já consegui ficar em quarto lugar nas competições. Quando estou na prova, as pessoas olham para mim como competidora, não pela minha doença, e isso faz muito bem para a minha cabeça. Continuo fazendo meu tratamento aqui, só que quero ir mais longe, a Boston, nos Estados Unidos. Descobri por uma amiga que mora em Nova York um hospital-referência, onde há melhores resultados para a pele. Fiz uma vaquinha virtual. No início pedi R$ 6,5 mil, cheguei a R$ 9 mil. Agora vou esperar para arrecadar mais, assim, poderei me estabelecer naquela cidade por mais tempo e completar meu tratamento.

Entrei na faculdade de Zootecnia e desisti para fazer Direito de tanto que vi minha mãe precisar de ajuda para resolver meus assuntos, como auxílio-doença, que ela só conseguiu na Justiça. Sei que ainda tenho uma longa batalha e que não vai ser fácil arrumar um emprego por preconceito das pessoas. Aos 15 anos, entrei em uma fundação para me qualificar como jovem aprendiz, mas não consegui me colocar no mercado. Passei a bater na porta de lojas, mercados, consultórios, e nunca consegui uma chance. Talvez seja essa a única coisa que me deixe triste hoje. Vou precisar fazer estágio para me formar, e espero conseguir. Se não der, tentarei prestar concurso. Enquanto isso, vou estudando e fazendo meus vídeos. Eu ainda não ganho muito dinheiro com meu canal, mas dá para ajudar minha mãe, que hoje é cozinheira. Meu sonho é que um dia eu possa dar qualquer coisa que ela me pedir."