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"Ele só falava da ex": você está bancando a psicóloga do seu parceiro?

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Jacqueline Elise

Da Universa

01/07/2019 04h00

"Meu ex sempre falava muito sobre o trabalho, a faculdade e a família, mas eu percebia que quando eu falava algo, ele não dava muita atenção", conta a enfermeira Camila Lima, 26. Ela diz que namorou por um ano com um homem que sempre se apoiou nela emocionalmente, mas não se importava com os sentimentos da parceira.

"Em 2015, ele descobriu que o pai estava traindo a mãe há 11 anos com a mesma mulher e ficou arrasado. Na época, eu fazia pós-graduação e saía no meio da aula para atender as ligações dele, para conversar. Eu achava que não tinha problema, já que ele estava passando por um momento difícil. Na mesma época, soube que tenho endometriose e tive que fazer uma cirurgia logo em seguida, pois era um quadro avançado. Ele não me deu o mínimo apoio. Sempre que eu tentava falar sobre minha saúde, mudava o assunto para ele. No dia em que fiz a cirurgia, não me ligou nem mandou mensagem. Só me visitou por 10 minutos à noite, só depois que meu pai o cobrou", relata.

"Me senti muito mal porque ele sempre me fez de psicóloga, não se importava com meus horários, se eu estava estudando, trabalhando ou dormindo. Mas quando eu passei por momentos ruins, nunca recebi apoio". A relação de Camila terminou um ano depois.

Bancar a psicóloga é "trabalho da mulher"?

Compartilhar os problemas, inseguranças e dilemas com o parceiro faz parte do relacionamento --o problema é quando só um se importa com os sentimentos do outro.

A psicóloga especialista em terapia cognitiva Milene Rosenthal explica que a sociedade ainda enxerga certos comportamentos como sendo "de mulher" e "de homem". Lidar com emoções, no caso, ainda é tido como obrigação de mulheres. Por isso tantos homens acabam fazendo de seus relacionamentos uma consulta ao psicólogo, mas não se dispõem da mesma forma para as namoradas e esposas.

"Se você parar para pensar, os brinquedos para menina ainda têm a ver com cuidado, atendimento, com o ambiente do lar. A mulher ainda vem culturalmente com essa carga, e quando ela vê que o marido tem uma instabilidade emocional, faz esse acolhimento. As coisas estão mudando, mas esse conceito dos 'papéis' de cada um é muito forte: o homem 'precisa' ser macho provedor e muitas vezes não tem maturidade emocional para lidar com seus problemas", diz.

Quando a tarefa de lidar com o emocional fica só com uma pessoa, os conflitos são praticamente inevitáveis, segundo a especialista. "É mais um investimento de energia. A mulher já trabalha o dia todo, muitas vezes cuida da família, da casa e ainda tem que administrar os problemas do marido sem ser ouvida. Casais que dependem um do outro têm um desgaste e o caminho é realmente a separação".

"Deixei-o desabafar porque queria me aproximar; ele me fez de divã"

A advogada Julieta*, 25, se relacionou no ano passado com um homem mais velho, que foi casado por 13 anos. Ela acreditou que, por ele estar sofrendo com o término, ouvi-lo seria uma forma de se aproximar e fazer sua relação com ele dar certo.

"Como quem pediu o divórcio foi ela, ele se separou tendo muito sentimento. Então comecei a perceber que ele passou a falar sobre o antigo relacionamento todos os dias, repetia algumas histórias e sempre me dizia que não queria namorar porque não estava pronto. Com o passar do tempo comecei a perceber que ele refletia o antigo relacionamento em mim e às vezes eu sentia que ele também refletia a ex, e me fazia de divã", relata.

Apesar de não estar mais namorando com ele e estar com uma pessoa nova, Julieta conta que a relação a deixou abalada. "Hoje, sou eu quem tem medo de repetir o que passei anteriormente".

Falta de maturidade emocional e criação geram frustração

Rosely Salino, psicóloga e especialista em sexualidade e terapia de casais, afirma que uma criação que não ensina a pessoa a lidar com problemas gera adultos frustrados e que não conseguem falar sobre suas emoções e inseguranças --especialmente homens que, segundo ela, ainda são ensinados que sentimentos são sinônimos de frescura.

"Claro que tudo tem exceção, mas se ele chega na roda de amigos e demonstra que está triste, que precisa conversar, ele é 'rejeitado'. Aí, como a mulher é socialmente aceita para falar de suas emoções, eles recorrem à parceira [para desabafar]", diz.

"Acho que os homens estão muito inseguros porque ainda estão lidando com essa nova independência da mulher, e falta educação e conversa nos relacionamentos. O que eu observo, na minha experiência, é que um casal que faz terapia hoje não quer resolver as coisas, eles só querem saber quem está certo. Sinto que isso afeta na expressão da emoção".

Colocando limites

As especialistas afirmam que é importante não anular seus sentimentos se sentir que o outro está lhe sobrecarregando emocionalmente. "É preciso saber dizer 'não', mostrar quando a situação está desigual. Tem que pensar: 'Que espaço eu dou para o outro na minha vida?'", opina Rosely.

"É importantíssimo o casal ter abertura para falar das emoções. Uma relação forte é quando tem cumplicidade, você pode se abrir e falar de seus gostos, dificuldades. O problema é quando você tem aquele papel o tempo todo de ouvinte e o outro, não. Fica impossível administrar. Acho que, em uma relação saudável, você pensa que seu parceiro precisa crescer como pessoa, amadurecer, e os dois conseguem trocar as experiências e conversar. Se chegar num ponto em que o diálogo não existe, o melhor é ir para a terapia de casal que vai funcionar como uma área neutra, sem julgamentos, em que é possível trabalhar esse relacionamento", afirma Milene.