Conheça a brasileira negra que é cientista premiada nos EUA
Foi o incentivo dos pais --embora nenhum deles tenha formação acadêmica-- que fez com que Marcelle Soares-Santos mergulhasse nos estudos e se aproximasse da ciência.
Nascida em Vitória (ES), ela se mudou com a família ainda pequena para o Pará, onde viveu até os 14 anos. De volta à terra natal, Marcelle ingressou na universidade e, depois de concluir a graduação em física pela UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), foi para São Paulo estudar na USP, onde se tornou mestra e doutora em astrofísica.
Hoje, aos 37 anos, é professora na Universidade Brandeis, em Boston, e a única brasileira negra a liderar o projeto DES (Dark Energy Survey, ou Levantamento da Energia Escura). Atuou também como pesquisadora no Fermilab (laboratório especializado em física de partículas de alta energia), em Chicago.
Hoje, referência em sua área, ela se dedica a investigar a origem e expansão acelerada do Universo, mapeando uma grande área no céu.
Diante de tantos cortes de investimento na ciência brasileira, ela encoraja os jovens que sonham em, como ela, estudar ou atuar nessa área. "A comunidade científica brasileira tem se fortalecido muito nos últimos anos, tanto no Brasil quanto internacionalmente. Há obviamente altos e baixos, muitas vezes devido a circunstâncias além do nosso controle. Mas estudantes e jovens pesquisadores têm demonstrado uma competência e perseverança incríveis. Torço para que continuem avançando nessa direção."
De fato, Marcelle é exemplo de perseverança. Em 2010, viajou para os Estados Unidos, onde ingressou num pós-doutorado no Fermilab. Queria muito trabalhar no projeto DES, por conta de seu interesse em cosmologia (estudo do cosmos).
"Na minha área de pesquisa, o pós-doutorado é uma etapa crucial na trajetória do jovem pesquisador. Cheguei ao Fermilab com um contrato de cinco anos e determinada a obter os melhores resultados possíveis. Esse esforço deu muito certo. Em 2014 recebi o prêmio Alvin Tollestrup, que, anualmente, reconhece o melhor pesquisador em nível de pós-doutorado, entre mais de 90 instituições na minha área. Logo em seguida, fui promovida para um cargo permanente de cientista associada no Fermilab."
Pelos avanços da ciência
Marcelle conquistou ainda mais a confiança de colegas durante a construção de uma das maiores câmeras de telescópio do mundo, com 570 megapixels, usada pelo DES nas observações do espaço. Seu trabalho, àquela altura, era instrumental, ou seja, ela era responsável por testar cada componente do equipamento.
Quando a câmera foi concluída, em 2012, o DES começou a acumular amostras de milhões de galáxias obtidas por meio de imagens, e Marcelle usou seu repertório em análise de dados, combinado ao conhecimento adquirido no trabalho com a câmera, para desenvolver estudos sobre aglomerados de galáxias, que são as maiores estruturas do Universo. Tudo isso contribuiu para que ela alcançasse uma posição de destaque.
Tornou-se a única brasileira entre os líderes da pesquisa coordenada pelo Fermilab.
"Como já temos a experiência de fazer o levantamento com imagens, agora podemos conciliar essas duas metodologias: de um lado, captar ondas gravitacionais e, de outro, com uma câmera poderosa, localizar a fonte dessas ondas. O método que utilizamos é o mapeamento de uma grande área no céu, correspondente a 25% dele inteiro", explica Marcelle sobre o que o DES investiga.
Ela permaneceu no Fermilab até 2017, quando assumiu o cargo que ocupa hoje, como professora na Universidade Brandeis --uma das mais conceituadas em física nos EUA. "O DES tem mais de 20 instituições. A Brandeis me contratou justamente porque eu tenho a experiência necessária para expandir o portfólio da universidade para essa linha de pesquisa."
No dia de sua mudança de Chicago para Boston, onde fica a universidade, ela recebeu a notícia de que uma colisão de estrelas de nêutrons, um dos eventos mais violentos do Universo, havia sido observada de forma inédita, anunciando ao mundo a relevância de seu trabalho. Seu grupo do DES foi um dos primeiros a detectar a luz dessa fonte de ondas gravitacionais.
A caminho do Prêmio Nobel?
Marcelle também coordena estudos relacionados à próxima geração de telescópios LSST (Large Synoptic Survey Telescope) e, em fevereiro deste ano, foi contemplada pela Fundação Alfred P. Sloan, após indicações da comunidade científica, com um prêmio de US$ 70 mil para custeio de suas pesquisas.
Ofertado desde 1955, o prêmio tem um peso importante: 47 cientistas que o receberam no início da carreira ganharam prêmios Nobel posteriormente. Entre eles, o físico Richard Feynman, um dos pioneiros da eletrodinâmica quântica.
Em um comunicado, o presidente da fundação, Adam F. Falk, anunciou que os bolsistas premiados eram "os melhores jovens cientistas em atividade". "Ser um deles é estar na vanguarda da ciência do século 21", afirmou, acrescentando que se destacam pela criatividade, pelo trabalho duro, pela energia e pela inovação com a qual lidam.
Marcelle diz que foi uma honra receber o prêmio, principalmente por se encontrar ao lado de pessoas de destaque, que foram reconhecidas ao longo dos anos.
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