Curadora da Flip: "Momento é de valorização das autoras mulheres e negras"
A 17ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) começa nesta noite de quarta-feira com a participação de mais de 40 escritores e artistas brasileiros e internacionais, em mesas redondas e apresentações que acontecem em tendas montadas no centro histórico da cidade litorânea de Paraty, no Rio de Janeiro, até domingo.
O homenageado desta edição é o escritor Euclides da Cunha (1866-1909), de "Os Sertões", e os destaques entre os convidados ficam por conta de uma série de autoras de obras contemporâneas de grande impacto, como a canadense Sheila Heti, a portuguesa Grada Kilomba e as brasileiras Marilene Felinto e Jarid Arraes.
"Estamos de fato num momento de valorização, de descoberta e de um ponto de inflexão em relação às autoras mulheres, autoras negras e literaturas que ficaram muito tempo num lugar das editoras independentes", disse a curadora da Flip, a editora Fernanda Diamant, para Universa. "Agora, todas estão sendo apropriadas por uma cultura mais mainstream."
Diamant conta que a pernambucana Felinto andou desaparecida do mercado, mas nunca deixou de escrever. Ela chega à Flip lançando alguns livros, como o novo "Autobiografia de uma Escrita de Ficção". Seu primeiro romance, "As Mulheres de Tijucopapo" (1982), foi publicado quando Felinto tinha 22 anos e lhe valeu o prêmio Jabuti.
"Se Felinto tivesse publicado 'Mulheres' hoje, acredito que sua carreira teria sido completamente diferente justamente por causa desse momento de valorização que vivemos", continuou Diamant, editora e cofundadora da revista de resenhas de livros "Quatro Cinco Um" (quatrocincoum.com.br)
A canadense Heti, do livro "Maternidade", divide uma mesa com a americana Kristen Roupenian, autora de "Cat Person", conto mais lido da revista "New Yorker" em 2017. Já a cordelista e poeta cearense Jarid Arraes, que lança seu primeiro livro de contos ("Redemoinho em Dia Quente"), sobe ao palco ao lado da americana Carmen Maria Machado, conhecida por um estilo de narrativa que ganhou o apelido de "weird fiction" (ficção esquisita).
"Tenho me interessado muito pela produção de autoras mulheres que escrevem sobre assuntos não necessariamente femininos", disse Diamant. "Temos autoras de ficção científica, de suspense com terror. Até mesmo a Heti, quando escreve sobre a decisão de não ter filhos, escreve como ficção, algo raro de se ver. Ela tem um humor meio Woody Allen, meio neurótico, um estilo que em geral associamos com personalidades de homens."
Viagem ao sertão
A primeira mesa da 17a Flip, na noite de quarta-feira, será em homenagem ao escritor Euclides da Cunha, com uma apresentação da crítica de literatura brasileira Walnice Nogueira Galvão.
A professora emérita aposentada pela FFLCH-USP é a maior especialista do país no assunto e já escreveu 12 livros sobre o autor de "Os Sertões" (1902). O livro narra as batalhas, os cenários e os personagens da Guerra de Canudos, no sertão baiano, quando sertanejos liderados pelo religioso Antônio Conselheiro são atacados pelo Exército brasileiro.
A curadora Diamant contou que tem uma relação afetiva com "Os Sertões" e visitou a região dos conflitos em 2009. Ela foi ao Parque Estadual de Canudos, a 450 km de Salvador, para ver o que sobrou da igreja local, inundada pelo açude de Cocorobó em 1969, e também subiu o famoso Monte Santo, descrito em exaustão por Euclides.
"É uma caminhada cansativa, cheia de escadas. Sentamos no topo, tem uma capela bem antiga, e lemos o trecho maravilhoso do livro. Ele descreve que o sertão é verde", lembrou Diamant, que também trabalhou nos bastidores das peças inspiradas em "Os Sertões" da Companhia de Teatro Oficina Uzyna Uzona, de José Celso Martinez Corrêa, entre 2005 e 2006.
"Foi uma viagem muito forte, incrível. Todo brasileiro deveria visitar Canudos uma vez na vida."
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