Ter ou não ter filho: Sheila Heti fala sobre essa decisão solitária na Flip
Quando a canadense Sheila Heti começou a escrever "Maternidade", a ideia era fazer um livro de não-ficção e entrevistar mulheres e homens sobre suas decisões de ter ou não filhos. Mas logo percebeu que não chegaria à resposta para sua própria dúvida maternal. Naturalmente, foi atrás do oráculo chinês I Ching.
No livro, que acabou virando ficção, a personagem principal tece um diálogo absurdo com o oráculo através do jogo de moedas. Ela faz perguntas aleatórias, e as moedas respondem apenas "sim" ou "não". Mas ao longo da narrativa, as respostas ganham um peso incomum.
"As moedas ganham essa voz de um deus. E um deus maldoso e traiçoeiro. Como se o sim e o não viessem de um lugar misterioso", disse Heti na quinta-feira, durante a 17a edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que acontece até domingo. "É uma voz autoritária."
Heti participou da mesa da Flip com a escritora americana Kristen Roupenian, do livro "Cat Person e Outros Contos". A mediação foi de Branca Vianna, apresentadora do podcast "Maria vai com as Outras", da revista Piauí.
Apesar da simplicidade das respostas do I Ching, Heti diz que sempre se surpreendia em como sua mente era levada para direções diferentes a cada resultado. A conversa era obviamente solitária, assim como deve ser a busca pela questão da maternidade.
"Em geral, é uma resposta automática: 'claro que você vai ter uma criança'. Mas a personagem quer de fato achar sua própria resposta", disse Heti. "E quando você se distancia e tenta achar sua própria resposta, você precisa calar muitas vozes. Achar sua própria voz é algo solitário."
A canadense gosta de fazer uso de jogos para criar seus livros e contou que, ao escrever sua obra anterior, "How Should a Person Be?" (como uma pessoa deveria ser), também de ficção, gravou diálogos com sua melhor amiga, Margo, e os transcreveu, editando aqui e ali com algumas sugestões. O resultado foi um livro de sucesso, mas a amizade praticamente acabou.
"Ela é pintora e tem uma carreira própria. E quando o livro foi lançado e ganhou atenção, de repente ela virou a Margo do meu livro", disse Heti. "O livro deixou nosso mundo particular de jogos. E ela não queria ser uma criação minha. Acho que só agora, dez anos depois, é que estamos voltando a um certo equilíbrio de amizade."
Desejo de morder
Heti leu um trecho do seu livro, assim como a colega de palco, Roupenian, que leu sobre sua personagem favorita, uma jovem que tem um desejo reprimido de morder as pessoas e imagina como seria morder um colega de trabalho no escritório.
Ao ser questionada sobre o poder e a perversidade das mulheres em seus contos, a americana comentou que o desejo de controlar é algo básico do instinto humano. "Certamente as mulheres têm certo poder", disse Roupenian ao público da Flip. "E estamos continuamente tentando entender quanto poder temos e quanto e quando é responsável usá-lo."
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