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O corset, aquela peça que espreme a cintura, está de volta. Por quê?

Kim Kardashian chamou atenção no MET Gala em 2019 ao aparecer com a cintura finíssima - Reprodução/Instagram/@kimkardashian
Kim Kardashian chamou atenção no MET Gala em 2019 ao aparecer com a cintura finíssima Imagem: Reprodução/Instagram/@kimkardashian

Jacqueline Elise

Da Universa

13/07/2019 04h00

Sensualidade, postura reta, barriga, costelas e cintura chupadas: o corset, ou espartilho, tem fama histórica de ser um repressor físico e social de mulheres. Ele apareceu na história do vestuário feminino por volta do século XVI na Inglaterra, e, até hoje, vira e mexe, ressurge nas passarelas de semanas de moda e, pumba, nos armários do mundo todo. Uma de suas últimas aparições públicas e comentadíssimas foi no corpo da socialite Kim Kardashian. Ela usou o acessório -- no grau 'não dá para respirar' --, no Baile do Met, em maio. No mesmo mês, a atriz Elle Fanning desmaiou durante o Festival de Cannes porque seu corset estava muito apertado.

Em tempos de moda tão plural, quais os motivos que fazem o corset ainda ser tão atraente? Segundo especialistas, a sensualidade e a associação à figura feminina ainda chamam a atenção para a peça.

Mudança de interesses criou corsets diferentes na história

Harianin Julia Maria, consultora de estilo e professora de história da moda, explica que os espartilhos foram criados durante a Idade Média para sustentar o corpo feminino, "mantendo a postura diante da quantidade de tecido e de anáguas que as mulheres tinham que usar". Sua estrutura, inclusive, era de metal, cobrir parte dos seios e ia até o final do abdômen.

"No século 19, considerado o 'século da beleza na Europa', as mulheres tinham cinturas minúsculas por causa de espartilhos e, consequentemente, vários problemas de saúde, como coluna detonada, compressão de órgãos, falta de ar e problemas circulatórios. Elas usavam o acessório porque era a moda da época, e também, uma forma de mostrar que seu marido tinha dinheiro -- o corset sempre foi uma peça cara e continua sendo", diz a especialista.

"Os homens viam as mulheres como seus cabides; para poder ostentar, colocavam nelas as peças que podiam pagar e mostrar seu poder. E essa mulher, muitas vezes, precisava de empregadas domésticas que a ajudassem a vestir a peça, de tão complicada que era".

A professora explica que, com a ida dos homens para as guerras, as mulheres tomaram as frentes de trabalho; e então, corset entrou em desuso.

Segundo Leandra Rios, estilista e fundadora do ateliê brasileiro de corsets Madame Sher, o que volta e meia ressuscita o acessório na moda diz respeito ao apelo de certas características femininas que, às vezes, pode estar mais apagado, mas que, no entanto, nunca desaparece: a cintura fina e os seios em pé. "O corset remete a essa ideia de feminilidade; mas agora, ele é feito com materiais menos agressivos. Além disso, não existe mais a obrigatoriedade de usá-lo", diz Leandra.

"O corset é a peça que mais destaca os atributos considerados femininos. Essa dramatização nas curvas era usada em rituais pelas sacerdotisas ainda na Grécia antiga. Essa fascinação mantém o corset praticamente imortal", pensa. "Passamos das tiras de couro rígidas usadas na antiga Grécia para a madeira, o ferro e o junco dos corpetes da Idade Média. Posteriormente, chegamos nas barbatanas de baleia, que foram usadas exaustivamente até o período vitoriano. Em decorrência desse uso, as baleias foram quase levadas à extinção; e então, este material foi substituído pelo metal. Com a Primeira Guerra Mundial, a escassez do metal para os civis e a descoberta dos fios elásticos transformaram os corsets em peças mais leves, até que eles chegaram a uma peça totalmente flexível; muitos deles, sustentados apenas por tiras de plástico". diz ela.

Uso esporádico X 'tight lacing'

Sem a necessidade de usar o espartilho, as mulheres e a moda aderiram à peça como um de tantos acessórios. Ele pode seu usado em ocasiões especiais e também, por mulheres que querem moldar o core. Essa prática ganhou o nome de "tight lacing" (amarração apertada) e "waist training" (treinamento de cintura). Ela consiste no uso do corset -- aqui, feito sob medida -- por várias horas durante o dia, aliado à dieta e à prática de exercícios. O quanto esse hábito diminui de fato as medidas vai depender da frequência desses três fatores e da sanidade física e mental de cada pessoa.

Leandra afirma que desde que criou sua marca, em 2003, as mulheres que se interessam por corset estão entre 25 e 35 anos. E Harianin crê que há um motivo para que mulheres mais jovens fiquem curiosas em usar o corset para definir a silhueta: "O pessoal mais jovem não teve como costume usar peças de roupas que restringissem os movimentos. Então, eles veem no corset, uma peça que não parece mais ser tão repressora", diz Harianin.

"Há muito julgamento"

A estudante I. V., 21, faz uso do corset para "tight lacing" há dois anos. Ela prefere não se identificar porque, diz, "há muito julgamento". "Um dia, fui ao shopping com ele e notei os olhares assustados das pessoas para mim", diz.

Ela conta que conheceu a peça ao entrar em contato com a moda gótica, adepta do espartilho, e que se interessou pelo tight lacing porque nunca teve, em suas palavras, "um corpo visto como muito feminino; eu não tinha cintura e nem peito grande". Ela informa usar a peça de quatro a oito horas por dia e fazer exercícios físicos diariamente. "Fui ao médico para garantir que poderia usar o acessório e faço check-up a cada três meses para ter certeza que ele não está me machucando".

A recepcionista Y. P., 22, também adotou o uso regular do corset, aliado a exercícios abdominais e lombares seis vezes na semana. "As pessoas estão aderindo ao 'tight lacing' por perceberem que não tem tortura nisso. Não dói e nem sufoca", garante Y., que usa a peça há um mês. "Para mim, é confortável, bonito e deixa minha autoestima lá em cima".

Em tempos de feminismo, há espaço para o corset?

Hoje em dia, o espartilho pode mesmo ser considerado uma escolha livre de interferências externas e pressão social pelo corpo perfeito?

Para Harianin, essa é uma faca de dois gumes.

"Ainda existe uma questão 'inconsciente' de querer usar o espartilho para entrar em um padrão e moldar o corpo. Por outro lado, a mulher que o utiliza escolhe se submeter a isso; seja porque ela gosta da estética, da sensualidade ou do molde que ele traz."

Os perigos de usar corset por muito tempo

Para quem usa a peça somente em ocasiões especiais e por pouco tempo, não há contraindicações, desde que a peça não esteja apertada demais. O problema é o uso por longos períodos

E os riscos podem ser severos. Luiz Cláudio Lacerda, médico ortopedista do Hospital Santa Marcelina e membro da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia e da Sociedade Brasileira de Coluna, afirma que os estudos sobre os efeitos do espartilho no corpo ainda são poucos, mas que "há relatos de alterações respiratórias, circulatórias e digestivas, além de atrofia da musculatura da coluna", quando o uso é feito sem cuidados.

Vanessa Prado, médica do Centro de Gastroenterologia do Hospital 9 de Julho, em São Paulo, alerta: "A peça não pode ser usada logo abaixo do mamilo. Tem que ter uma distância de pelo menos um palmo entre o mamilo e a parte superior do corset. E há o perigo da compressão de órgãos internos. Estômago e intestino distendem com a alimentação, então, não recomendo o uso durante as refeições, sob o risco de cólicas, dores abdominais fortíssimas e refluxo".

"O uso desse tipo de peça enfraquece o core, músculos que sustentam a coluna. Dependendo do tempo de utilização, o corset tem o mesmo efeito de um gesso. Não indico que a pessoa passe mais do que oito horas usando", diz Alexandre Fogaça Cristante, chefe do Grupo de Coluna e Trauma Raquimedular do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.