Valeria Riberio Corozzacz, dá aulas de história da antropologia e antropologia de gênero na Universidade de Modena, na Itália, e já estudou o tema. Fez a primeira pesquisa entre 2009 a 2012, reuniu 21 homens brancos, de classe média alta carioca, entre 43 a 60 anos, e fez questionamentos sobre os relacionamentos com as domésticas.
Oito desses homens afirmaram que tiveram iniciação sexual com as empregadas. Uma das repostas foi bem precisa: Mico, de 59 anos, disse que apenas não manteve relação sexual porque a família não tinha dinheiro para ter uma funcionária em casa. Os demais homens revelaram que conheciam alguém que manteve esse tipo de comportamento.
Não se trata apenas de uma violência sexista, mas também de uma violência racista e de classe, considerando que, como podemos verificar, nela se combinam as diferenças de raça, de classe e de sexo, típicas da sociedade brasileira. Isso produz formas determinadas de opressão e de privilégio social.
De forma banal, nas entrevistas esses mesmos homens falavam da expressão TED (Terror das Empregadas Domésticas) que era utilizada em suas turmas a respeito dos amigos que assediavam e violentavam as trabalhadoras. O artigo de Valéria: "Abusos sexuais no emprego doméstico no Rio de Janeiro" já foi publicado na França, Itália e Brasil.
Um homem rico de 92 anos, com duas empregadas para cuidar dele e da casa grande, num bairro nobre de São Paulo. Os filhos ouvem das funcionárias que o patrão está tentando assediá-las, primeiro com elogios. Elas dizem que, à noite, vai ao quarto delas e pede para elas dormirem com ele.
O filho ouve tudo calado e justifica o comportamento inadequado do pai, com a seguinte frase "Ele sempre foi tarado, não é agora que vai mudar". As duas domésticas procuram ajuda no sindicato, após se demitirem, relatarem o caso e nunca mais retornarem. "Elas falam sobre o que passaram e depois que solicitamos mais detalhes, elas desaparecem. É uma questão muito delicada, a vergonha e a falta de informação ainda dominam a nossa classe", explica a diretora jurídica Natalie Rosário de Alcides, que trabalha no sindicato.
No Rio de Janeiro, uma única doméstica procurou a presidente da entidade sindical da categoria, Maria Izabel Lourenço, desde 2009. A mulher relatou o abuso e perguntou qual medida deveria tomar, já que havia pedido demissão devido ao crime. "Indicamos que registrasse a ocorrência, o abusador soube e ameaçou fazer uma denúncia contra ela. Ela teve medo e retirou a queixa. Por isso, pouquíssimas mulheres revelam esse crime. Há também a vergonha e a falta de coragem para falar", conta Maria Izabel.
Para ela, isso acontece desde a época da escravidão.
A sociedade deveria parar de discriminar e fazer descaso com a nossa profissão. Afinal, somos trabalhadoras como outra qualquer, merecemos respeito.
Os dois sindicatos começaram campanhas de conscientização para as afiliadas.
A pesquisadora Tatiane conta que apenas há poucos anos essas profissionais passaram a ter os direitos trabalhistas. "Essa profissão sofreu com tudo. O Brasil é um dos poucos países do mundo que tem número grande de domésticas, uma característica clássica de países em desenvolvimento. Na Europa ou EUA é muito caro ter uma profissional dessas em casas. É nossa essa tradição da classe média achar necessário ter alguém para lhe servir", ponderou.
O engenheiro baiano C., de 34 anos, pediu anonimato para falar sobre o seu caso. Ele tinha 14 anos quando engravidou uma doméstica que trabalhava em sua casa. Segundo contou, na época, ele não tinha noção de que o que ele e os primos faziam era algo errado. "Na minha primeira vez, eu engravidei a moça. Ela fez o aborto, minha mãe ajudou a pagar e depois foi embora de casa. Olhando com os olhos de hoje, era um assédio o que cometíamos. Lembro que ela tinha muito medo de perder o emprego", conta.
Com o aumento do desemprego no país e a queda de renda das famílias brasileiras, mais a obrigação de pagar os direitos trabalhistas, o número de mulheres que dorme na casa do patrão ficou reduzido. Por outro lado, o número de diaristas aumentou.
Francisco Belda, diretor do aplicativo Blumpa (que seleciona ofertas de diaristas), fala que nos últimos quatro anos nunca foi registrado nenhum caso de assédio sexual. Ele explica que, apesar de estarem sozinhas, as profissionais têm a possibilidade, pelo aplicativo, de denunciar qualquer tipo de violência. "Esse é um problema histórico de assédio, mas acreditamos porque temos todos os dados dos clientes, talvez seja um dos motivos porque isso nunca aconteceu com as nossas prestadoras de serviços", disse Belda.
Preta Rara é ativista do movimento negro, poetisa, rapper, professora de história e modelo plus size. O seu nome é Joyce Fernandes, 34 anos, nascida e criada em Santos, litoral sul de São Paulo. Ela também é dona da página no Facebook: "Eu, Empregada Doméstica", que foi lançada em julho de 2016 para contar as suas histórias na profissão que também foi da sua avó e mãe.
Atualmente conta com mais de 4 mil depoimentos e 160 mil seguidores que, como ela, exercem ou já foram domésticas um dia. O livro sobre os relatos deve chegar em breve nas livrarias. "É um assunto tabu, mas é de extrema importância para as domésticas alguém falar sobre esse assunto. Elas precisam saber que não precisam ceder para o padrão", dispara Preta.
Ela mesma disse que não sofreu assédio porque o seu corpo é fora de padrão de beleza. Mas, na página, ela percebe que a maioria dos depoimentos é feita por filhos ou netos devido à dificuldade das vítimas de tocar nesse assunto.