Como em 'La Casa de Papel': por que mulheres piram nos bad boys da ficção?
Com estreia marcada para o dia 19, a terceira temporada de "La Casa de Papel" promete revelar não só o destino dos assaltantes e os rumos do romance entre Professor (Álvaro Morte) e Raquel (Itziar Ituño) como, provavelmente em flashbacks, detalhes da história pregressa de Berlim (Pedro Alonso). Apesar do caráter para lá de duvidoso, o personagem fez tanto sucesso nas partes 1 e 2 que a Netflix resolveu "ressuscitá-lo" na nova fase.
Série com enorme sucesso de crítica, "Good Girls", também produzida pela plataforma de streaming, apresenta outro personagem bandido com apelo sexy. Trata-se de Rio (Manny Montana), cuja relação ambígua com Beth (Christina Hendricks) tem sido alvo de intensa "shipação" nas redes sociais.
Berlim e Rio são exemplos contemporâneos de uma dinastia de bad boys que há muito tempo exerce uma mistura de fascínio, repulsa e atração em muitas mulheres. De Jim Stark (James Dean) em "Juventude Transviada" (1954), passando por Danny Zuco (John Travolta) em "Grease - Nos Tempos da Brilhantina" (1978) e Chuck Base (Ed Westwick) em "Gossip Girl" (2007-2012), a lista de maus elementos da ficção que mexem com o imaginário do mulherio é vasta.
E por que personagens misóginos, machistas, estupradores e traficantes, que representam o que há de pior na sociedade, causam tanto impacto em quem, consequentemente, deveria temê-los ou rechaçá-los? Bem, se você faz parte do time que treme com os absurdos ditos pela voz sensual de Berlim ou ficou excitadíssima com a transa de Rio e Beth no banheiro, não precisa sentir vergonha nem culpa. Afinal de contas, a atração não segue preceitos lógicos e os desejos não fluem de modo racional.
Na realidade, pouca gente teria disposição para encarar um relacionamento com esses caras. Será que é possível dizer, então, que esses personagens conseguem acessar sentimentos que as próprias mulheres desconhecem?
De certa forma, sim. Segundo Mara Lúcia Madureira, psicóloga especializada em terapia cognitivo-comportamental, no plano consciente o conceito de homem ideal é forjado pela cultura e por valores morais e sociais de um sujeito bonzinho e companheiro. "No inconsciente, porém, a coisa acontece de forma mais primitiva e instintiva. A força física e a autoconfiança dos bad boys inspiram poder, capacidade de proteção e virilidade. Despertam, ainda, fantasias de rebeldia, transgressões sexuais e sociais e sentimentos de liberdade", diz.
O charme, a determinação, a coragem para tomar decisões e assumir riscos e um certo ar de superioridade e crueldade fascinam as mulheres porque são características que antecipam a imagem de um bom amante. "Em geral, nos filmes e nas séries, esses homens têm fama de ser bons de cama e menos preconceituosos em relação ao sexo, pois curtem práticas ousadas e diferentes", lembra a psicóloga Rejane Sbrissa.
Para a psicóloga Marina Simas, é possível que o fetiche por esse tipo de personagem se dê por algum medo ou repressão interna, mas varia conforme cada caso. "Algumas mulheres, por serem mais reprimidas e por terem sido criadas em famílias com valores rígidos e tradicionais, podem sentir uma vontade maior ou mais exacerbada de se aventurar pelo proibido. Costumo sempre lembrar que o ser humano é complexo e não tem manual de instruções", observa Marina, que é sócia-diretora do Instituto do Casal, em São Paulo.
A velha vontade --ainda recorrente entre muitas mulheres, a despeito da evolução dos costumes-- de fazer com que um homem mude por amor também é outro fator importante, conforme a psicóloga e psicanalista Priscila Gasparini Fernandes. "Há aquela fantasia de dominar o bad boy e transformá-lo em alguém carinhoso e sensível", conta. Por isso também existe tanta torcida por finais felizes para os adoráveis bandidos do cinema e da TV.
"No entanto, é válido lembrar que, inconscientemente, esse fascínio pode estar relacionado à cultura machista da qual ainda estamos impregnados. E ainda à ideia do homem forte, provedor e que causa prazer por trás do medo", relata Marina.
O poder da ficção
Mais do que ser simples entretenimento, a ficção volta e meia costuma descortinar algo sobre a natureza feminina. "A ficção revela aspectos primitivos da nossa constituição biológica e evolutiva reprimidos pela moral e pela religião", comenta Mara. Na opinião de Rejane, quando a pessoa se senta em frente à TV ou no cinema, acaba se envolvendo com a trama e com os personagens, o que faz com que as emoções aflorem.
"E, mesmo sendo fruto da ficção, o que sentimos é nosso. Seria bom prestar atenção a essas sensações e, assim, aproveitar para se conhecer mais e lidar melhor com a vida real", afirma.
A ficção, de acordo com Marina, normalmente possibilita que o indivíduo queira um mundo que não seja compatível com a sua realidade. "O foco é em algo novo, desconhecido e desafiador. Sabemos que o importante é assumir que o dia a dia existe, que a rotina pode ser uma vilã e tentar buscar ideias prazeirosas que desconstruam a ficção na vida real."
Uma das maneiras de usar a atração pelos malvados de mentirinha em benefício próprio é trabalhar um possível preconceito contra a ideia de que ser mais ousada e extravasar na cama são atitudes que depõem contra a moral feminina. Outra ideia é conseguir identificar fantasias e vontades que podem ser aplicadas em um relacionamento de verdade.
"Nenhuma mulher precisa ter um bad boy que quebre regras sociais e morais para que ela se solte. Ela mesma pode avaliar o que quer e do que gosta em uma relação. Mesmo um homem considerado certinho e bonzinho pode se revelar alguém que provoque grandes emoções. Para isso é preciso conversar, se abrir e se entender com o parceiro", declara Rejane.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.