Como em "Big Little Lies": sexo violento envolve consentimento
Na série "Big Little Lies" da HBO, a personagem Celeste (Nicole Kidman) tem um casamento violento com Perry (Alexander Skarsgard). Ele a agride de diversas maneiras, uma delas no sexo, que quase sempre é retratado no limiar da consensualidade: ele transa com ela batendo e a imobilizando, e muitas vezes deixa a esposa cheia de marcas. Ela, por sua vez, têm dificuldades de admitir que não era exatamente daquela forma que ela queria transar, e de entender que sexo violento pode ser consensual, desde que ela também tivesse poder de decisão.
A mesma situação aconteceu com a professora Ana C., 23, de São Paulo (SP). Ela relata que, dos 15 aos 18 anos de idade, teve um namorado que gostava de atitudes agressivas no sexo, como tapas fortes no rosto, garganta profunda e asfixia erótica. "O problema é que ele me chantageava: se eu não fizesse essas coisas, ele ia terminar comigo, dizia'".
Foi só quando terminou a relação que ela passou a fazer acompanhamento psicológico e aprendeu que a negociação tinha que estar presente nas suas relações. "Tive que entender que as coisas que ele fez comigo não davam nem para chamar de sexo, porque tudo era com medo". Ao ter outros encontros e ler mais sobre consentimento, especialmente em livros que falam sobre BDSM, ela percebeu que poderia gostar de sentir dor no sexo, desde que fosse nos seus termos.
Sexo violento é diferente de agressão
A estudante Patrícia*, 24, não passou por um relacionamento abusivo, mas teve um desentendimento com seu namorado durante o sexo que a fez repensar muitas coisas. "Uma vez, fomos transar e ele me enforcou do nada, sem perguntar se eu gostava daquilo. Esse tema não era algo que a gente achava que precisava de conversa antes. Ele me soltou quando viu que eu me assustei".
Segundo ela, aquilo foi um choque de realidade. "A gente tinha feito algumas coisinhas para deixar o sexo diferente, tapinhas na bunda e coisas assim, mas nesse dia eu fiquei mal, acabou com o clima e fomos dormir. A gente conversou sobre isso depois, tanto que, agora, sempre combinamos o que vai rolar. Têm dias que não quero apanhar na transa, por mais que eu goste em alguns momentos".
Tanto Patrícia quanto Ana afirmam que, depois do que passaram, entenderam que gostar de certas práticas sexuais não significa que isso dê abertura para agressão. "Acho que o fundamental é pensar que eu que tomei a decisão de fazer isso naquele momento e confirmei que estava tudo bem. Eu me coloquei nesse papel porque eu quero e porque me faz bem, mas só naquela hora. A violência é quando eu não queria estar ali, quando o outro não me pergunta se eu queria aquilo ou se alguém está me obrigando a fazer algo, me ameaçando de alguma forma", pensa Ana.
Dor e prazer estão ligados, mas não é desculpa para violência
"Dor e prazer costumam andar de mãos dadas, sensorialmente falando: quem comanda essas sensações é o córtex pré-frontal do cérebro, responsável pelos comportamentos e pensamentos mais complexos do ser humano", diz Marina Vasconcellos, psicóloga, psicodramista e terapeuta familiar pela PUC-SP.
"Muitas vezes você tem prazer quando o sexo é mais violento, mas não estamos falando de machucados, como os causados no masoquismo", diz ela.
Consentimento e maturidade emocional são essenciais "Consentimento é quando você permite algo porque quer aquilo. Precisa ter uma lucidez, e não ser levado pela situação ou ameaça".
"Aquilo que está na fantasia nem sempre cabe na realidade. É preciso lembrar que a outra pessoa é o verdadeiro termômetro para dizer se algo é legal ou não. Intimidade não é só a hora do sexo propriamente dito. Ela tem que estar na relação como um todo, inclusive para falar de coisas que a dupla - ou mais pessoas - queira(m) fazer", diz Margareth dos Reis, psicóloga e terapeuta sexual e de casais pela Universidade de São Paulo (USP)..
*O nome foi trocado a pedido da entrevistada
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