"Me apaixonei por um padre. Aos 50 anos, casei com ele na igreja"
Na literatura e nas artes, a paixão é retratada como um sentimento poderoso, arrebatador e escravizante, que quase sempre termina com um desfecho trágico. Obstáculos morais, culturais, econômicos e familiares podiam impedir que duas pessoas ficassem juntas. Mas a ideia de amor romântico tem passado por grandes transformações. A história dos professores Cláudia Torres (52) e Obertal Xavier (54) é um exemplo de conto de fadas contemporâneo, com muitas dificuldades pelo caminho e um final feliz.
Ela, católica praticante. Ele, um ex-padre. Os dois viveram um amor platônico e impossível por seis anos, fruto de uma admiração recíproca. Mas não foi um caminho fácil: Cláudia, casada com seu primeiro marido, foi demitida do colégio católico onde lecionava, com duas filhas para criar. Obertal, 12 anos de sacerdócio, teve de abandonar a batina. Enfrentaram a oposição de familiares e alguns amigos, mudaram de cidade e recomeçaram do zero. Hoje vivem em Nova Iguaçu (RJ) com os quatro filhos: Tata (32), adotada por Cláudia aos 15 anos, Isabela (26), do primeiro casamento dela, e os caçulas Adriana (14) e Gabriel (11). Obertal dá cursos bíblicos e também é professor universitário. Dão aulas de religião e promovem colóquios inter-religiosos. Já são 17 anos de união. Conheça a história de Cláudia:
"Me aproximei da Igreja Católica aos 17 anos. Comecei sendo catequista na Igreja Sagrado Coração de Jesus, ofício que executei por mais de uma década. Aos 29, casada com o pai da minha primeira filha, senti que o casamento não andava bem. Também tive sérias divergências com o pároco e me afastei da igreja. Por insistência de amigos, fui conhecer o padre Obertal. Marcamos uma conversa, mas ele me deu bolo duas vezes. Fiquei irritada. Quando o vi pela primeira vez, não sabia que era o tal padre, e me veio na cabeça: 'um dia esse homem vai ser meu'. Ele queria desfazer a má impressão e me convidou para a missa de domingo. Novamente as amigas insistiram e eu fui.
Assisti à missa em transe, foi uma coisa impressionante. Um sentimento estranho. Fomos conversar, e ele pedia pra eu ficar calma e falar baixo. Saí do encontro achando o Obertal arrogante e prepotente. Um dia, fazendo compras para a loja do meu pai, o encontrei. Ele tentava comprar um freezer e uma geladeira para a creche da igreja, mas a loja não entregava. Consegui o frete pra ele, com a condição de aparecer lá na creche. Foi então que conheci o cara mais fantástico da minha vida. Passei a ajudá-lo nos projetos da igreja e ali nasceu uma parceria, nos envolvemos em muitos projetos.
Obertal havia passado 40 dias na Bélgica e, quando voltou, fui acompanhar uma procissão. Ele sorriu pra mim e aquilo me acertou como uma flecha. Voltou tudo, o dia em que o vi pela primeira vez, o transe na missa. Pensei: 'Meu Deus, estou apaixonada por esse homem'.
Passei a fugir, não atendia mais às ligações. Mas ele foi atrás de mim. Entre descobrir que estava apaixonada e me separar do meu primeiro marido foram quatro longos anos. Não podia demonstrar o que sentia, porque quanto mais o conhecia, mais tinha certeza da vocação dele como padre. Com o tempo, ele passou a gostar de mim. Eu sofria de um lado, ele sofria de outro.
Muita gente achou que terminei meu primeiro casamento por causa do Obertal, mas não é verdade. As coisas já andavam mal. Eu não aceitava que poderia me separar, foram oito anos de terapia. Minha separação foi uma grande virada. Fui massacrada. A loja do meu pai estava falida, eu vendi tudo e voltei a dar aulas. Dias depois me separar, Obertal me chamou para um café. Foi muito direto, colocou as cartas na mesa e me pediu ajuda para descobrir o que era aquele sentimento. Impôs uma condição: que a gente continuasse como éramos, ou seja, só amigos, até que ele pudesse tomar uma decisão. Contei pra minha mãe, ela quase morreu. Só minha avó apoiava. Foi assim por mais dois anos.
Nesse meio-tempo, adotei a Tata, com 15 anos. Jupira -- a irmã para quem construímos uma nova casa, um dos projetos sociais com que nos envolvemos -- adoeceu e me perguntou se eu cuidaria da menina. Ela morreu uma semana depois da conversa. Agora estava separada e com duas filhas. Quem me apoiava não apoiou mais, muita gente achou que eu estava louca. Enquanto isso, Obertal ainda não havia se decidido. A gente se afastava, ficava sem se ver, mas não conseguia. Até que dei um prazo: era julho de 2002 e eu falei que, se ele não resolvesse tudo até dezembro, iria morar na Espanha com minhas filhas. Dias depois ele pediu pra eu não descer do carro: colocou aquela música 'Tudo que se quer', do Emílio Santiago, e me pediu em casamento. Era 4 de agosto, o 'dia do padre'.
Quando ele comunicou sua decisão à Igreja, lhe ofereceram cursos, paróquias maiores, fizeram de tudo pra ele desistir. Mas ele não desistiu. Fizemos os votos no dia 19 de outubro de 2002, quando tivemos nossa primeira noite. Nos casamos no civil, e ninguém da minha família compareceu. Dava aulas em um colégio católico e fui demitida.
Quando soube que havia casado de novo, meu primeiro marido não deixou que eu visse minha filha durante três meses. Foi muito sofrido, me vi desempregada, com duas filhas e enfrentando muita fofoca. Obertal não queria escandalizar os paroquianos. Mudamos de cidade e recomeçamos do zero em Saquarema (RJ). Montamos uma cooperativa de reciclagem, fomos catar lixo, literalmente. Muita gente nos ajudou, as pessoas ficavam sabendo que estávamos juntos e nos procuravam oferecendo ajuda. Ficamos três anos nessa situação, até eu engravidar da Adriana. Com o tempo, as coisas foram se ajustando e voltamos pra nossa cidade. Aos 41 anos veio o Gabriel, uma grande surpresa para mim, porque eu usava DIU.
O tempo passou e o próprio bispo sugeriu que a gente casasse na igreja, mas eu já havia casado antes. Contratamos um advogado canônico, tive de arrumar cinco testemunhas que acompanharam meu primeiro casamento. Surpreendentemente minha mãe -- que dizia que não sossegaria até que a gente se separasse -- deu um depoimento fundamental. A anulação do primeiro casamento levou quatro anos pra sair: quando o Papa Francisco assinou, a gente já estava junto havia 14 anos. Nos casamos no religioso em 20 de agosto de 2016, antes de eu fazer 50 anos. Foi uma cerimônia maravilhosa. Obertal entrou com minhas duas filhas mais velhas. Entrei com meu pai e meu filho, minha dama de honra foi minha filha adotiva e meu neto. Foi um tapa na cara de todos que duvidaram do nosso amor.
Até hoje, muitos amigos querem a benção do Obertal, têm ele como referência, pedem conselhos. Não acreditava que Obertal fosse largar tudo por mim, sei o quanto foi difícil pra ele. Foram seis anos até que pudéssemos viver esse sentimento. Ele entendeu que, se continuasse na Igreja, não poderia ficar comigo. Mas, se ficasse comigo, poderia seguir religioso, o que de fato aconteceu. Hoje vamos juntos à igreja, vamos à missa, somos dizimistas. Nossa esperança é que Papa Francisco mude essa questão, mas não acho que seja algo para nossa geração. A gente vai fazer 17 anos de casados, e até hoje me pergunto se fiz a coisa certa. Mas, como ele sempre diz, nosso amor foi abençoado por Deus".
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