Nem doentio, nem "tempero" da relação: tem dosagem ideal para o ciúme?
A maioria das pessoas sente um tiquinho de ciúme. No entanto, é o poder atribuído a esse sentimento que faz toda a diferença na vida a dois. O ciúme, de forma alguma, deve ser confundido com amor ou encarado como uma maneira de "apimentar" a relação.
Primeiro, porque amor não tem nada a ver com sentimentos mundanos de posse ou controle. E segundo porque, na prática, ele funciona como um ingrediente que azeda a convivência pouco a pouco, em vez de temperá-la com mais afeto ou compreensão.
Se romantizar um sentimento tóxico traz consequências negativas para o relacionamento, ao tornar-se refém dele os prejuízos são ainda mais sérios. Para a psicóloga e terapeuta de casal Sandra Samaritano, de São Paulo (SP), sentir ciúmes é natural, principalmente no início de um romance. "Você ainda não conhece direito a pessoa nem sabe a história de vida dela", pondera. Porém, à medida que a relação vai evoluindo, a posse e a mania de controle, frutos de uma baixa autoestima, causam insegurança, dúvida, medo e, sobretudo, um processo de tentar acompanhar os passos do outro a cada minuto, numa vigilância nociva e, em alguns casos, abusiva.
Segundo o psicólogo Yuri Busin, diretor do CASME (Centro de Atenção à Saúde Mental Equilíbrio), em São Paulo (SP), para perceber se na relação está ocorrendo o ciúmes saudável é interessante identificar como você se sente nessa relação. "O medo de perder o parceiro é muito comum e isso está diretamente relacionado com ciúmes saudável. Geralmente, esse sentimento tem um motivo para existir, não sendo apenas uma fantasia. Ou seja, a pessoa não fica imaginando que o parceiro a está traindo, mas tem medo de que ele o faça. Essa é uma diferença fundamental", explica. "O ciúme 'normal' inclui o medo de perder alguém amado para uma terceira pessoa, é transitório e baseado em fatos. O maior desejo é preservar o relacionamento", completa a psicóloga Raquel Fernandes Marques, da Clínica Anime, de São Paulo (SP).
Mas que fatos são esses? Há várias possibilidades: desde a mania de o par dar abertura excessiva para cantadas até um convívio muito próximo com um antigo amor, alguém do trabalho ou que visivelmente tem "certos" interesses. Diálogo e alguns possíveis ajustes na forma de conduzir a relação podem funcionar. "Ciúmes saudável dificilmente irá gerar muitas brigas. Ele faz com que a pessoa sinta necessidade de conversar sobre o que está ocorrendo, demonstrando os seus medos, em vez de ter a certeza de que algo terrível vem acontecendo", diz Yuri. E acaba gerando um sentimento de cuidado e afeto, no lugar de tirar a liberdade, atrapalhar o relacionamento ou trazer problemas para ele.
Doentio pode ser abusivo
Por outro lado, quando o ciúme é doentio, há uma crença dolorosa de que se é vítima de uma traição. O ciumento passa a acreditar que está sendo traído e alimenta a certeza de que o par se relaciona com outras pessoas. Pior: fantasia a respeito desses casos e começa a tratar mal quem acredita ter um envolvimento com o amado.
No ponto de vista de Yuri, aprender a lidar com o próprio ciúme é um grande desafio, principalmente para pessoas que o possuem em um nível doentio. "Porém, com o tempo, é possível transformá-lo em algo saudável, sem deixar que afete diretamente o relacionamento. O primeiro passo é saber identificá-lo e então perceber a origem desse sentimento que, em geral, se relacionado com as nossas próprias inseguranças e com a falta de capacidade de confiar no outro", menciona o psicólogo.
Vale lembrar que algumas situações específicas em que o ciúme não tem fundamento ajudam a reconhecer sua toxicidade, como implicar com relações familiares, certos amigos e, principalmente, com o fato de o par receber olhares na rua, algo que não dá para controlar. De acordo com Raquel, algumas manias abusivas servem como "sinal vermelho". Exemplos: checagem de celulares e ligações recebidas pelo par constantemente; querer saber quem enviou mensagens, que e-mails recebeu e por qual motivo; perguntar em detalhes com quem falou e sobre o quê; controlar horários, questionar para quem a pessoa está se arrumando antes de sair, etc. "Por mais que o outro tente aliviar seus sentimentos, o ciumento nunca estará satisfeito e pouco a pouco a relação vai se transformar em um verdadeiro martírio", fala a especialista.
A pessoa acometida pelo ciúme patológico se torna viciada ou obcecada pelo parceiro. Ela vive pelo outro, esperando que ele dê significado à sua própria vida. O comportamento de cuidar do par ocorre de forma descontrolada, obsessiva e a pessoa acaba por abandonar o seu desenvolvimento e a sua realização. A dosagem ideal de ciúme, é claro, varia de casal para casal, mas, via de regra, não extrapola os limites pessoais nem faz com que os envolvidos se sintam "presos" a uma relação que deveria proporcionar apenas alegria e prazer.
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