YUKEEEÊ: primeira robô trans do país quer discutir prevenção com LGBTs
Um público escondido no quarto, por uma série de motivos, interagindo por redes sociais, sem acesso a informações e, principalmente, medidas contra ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) está na "mira" de Amanda Selfie, a primeira "robôa" (como ela mesma se identifica) trans do país.
A ideia é, pelo próprio ambiente virtual, a assistente digital conseguir atrair homens gays, mulheres trans ou travestis de 15 a 19 anos para as ações de prevenção do Prep 15-19 (profilaxia pré-exposição ao HIV) em Belo Horizonte, Salvador, São Paulo e suas regiões metropolitanas, locais onde o projeto é desenvolvido no Brasil.
O PrEP 15-19, iniciativa da Unaids, o programa das Nações Unidas sobre HIV/Aids, e da Organização Mundial da Saúde, oferece gratuitamente um remédio a ser tomado todos os dias, em forma de pílula, para evitar a infecção por HIV. Se a pessoa não quiser a medicação, tem acesso também a camisinha, lubrificante, teste para diagnóstico de HIV e outras ISTs, além de vacinação para hepatites A e B, aconselhamento, tratamento ou encaminhamento para serviços especializados e outras medidas. O trabalho é feito em postos de atendimento nas três capitais. São centros de referência e diversidade.
O desafio do estudo é encontrar pessoas que se mantêm invisíveis por vergonha, por medo da intolerância e outras razões, mas que usam inúmeros aplicativos de "pegação", sem orientação sobre saúde e comportamento. Nessa busca, Amanda tem papel fundamental, acreditam os pesquisadores. É um "braço" do projeto.
Dialeto e visual são aposta para atrair
De visual e linguajar familiares para o público LGBT, Amanda é toda adornada, colorida, utiliza gírias e expressões usadas pela comunidade, o pajubá, em que parte do vocabulário tem origem africana. A "conversa" com Amanda é pelo Messenger do Facebook. Na imagem da capa da rede social tem o convite: "E aí BB? Bora falar de saúde sexual?".
Por sugestão de um dos coordenadores da pesquisa na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Unaí Tupinambás, a reportagem de Universa iniciou um bate-papo com Amanda. Tupinambás é da Faculdade de Medicina da UFMG, que desenvolve o trabalho em parceria com a USP e UFBA (Universidade Federal da Bahia). As três instituições foram convidadas pela Organização Mundial da Saúde para participarem do PrEP pela relevância de seus trabalhos sobre ISTs.
Demos um "oi" no Messenger e a resposta de Amanda foi:
"Inhaiiii gatinhe!! Meu nome é A-manda Selfie, a primeira travesti robôa do Brasil!! #travestisvaodominaromundo. Inhaiiiiiiii, eu posso conversar sobre qualquer coisa, bonitan, só me perguntar, vamo falar de q??. Cmg vc pode falar sobre ISTs, HIV, sobre prevenção e saúde sexual! Pq uma coisa q eu aprendi é q é 1 bafo ter consciência sexual pra fazer escolhas e ter mais autonomia nas nossas relações! A gnt tbm pode falar de qualquer coisa, bb, eu a-m-o conversar!".
A interação começa e a robôa faz perguntas: onde o internauta mora, qual a idade, como age na "pegação no rolê", qual estilo de música preferido, tipo de namoro, se sexo é bom "só com o mozão" ou com outra pessoa, qual a frequência do uso da camisinha e outros questionamentos sobre comportamento afetivo e de cuidados com a saúde.
Desenvolvida por uma empresa de tecnologia da informação, Amanda tem inteligência artificial e, por isso, consegue traçar o perfil a partir das respostas.
Com o que a reportagem respondeu, ela concluiu que se tratava de uma pessoa mais "de boas", de um/a parceiro/a só:
"VC É A PABLLO VITTAR, YUKEEEÊ???
Famosissimah nos rolês, mas tá só nas love song que nem a Pabllo, nenon? Você parece ser mais de boas quando o assunto é sexo com várias pessoas - ou pelo menos está numa fase de boas, bem romantiquinha. Pode ser que vc não sinta mta necessidady de sarrar, pode ser q esteja namorando fechado e seu tesão se direcione mais para um/uma parceiro/a fixo, pode ser q vc prefira poucos (e bons) doq muitos, pode ser mil coisas - o importante é vc fazer (ou não fazer) oq vc tiver vontade ".
Em seguida, Amanda leva a conversa para o lado da conscientização. De forma didática, explica o PrEP 15-19 e, ao final, se a pessoa se encaixa no perfil do projeto, a "robôa" agenda a primeira ida do internauta a um dos três centros onde o projeto é desenvolvido (Salvador, Belo Horizonte e São Paulo).
Não bastasse estarem na adolescência, fase da vida em que assistência médica não costuma ser prioridade, o alvo do PrEP é uma população que, no Brasil, passou a sofrer recentemente com racismo, LGBTfobia e regras moralistas devido ao discurso de intolerância, à proibição do tema nas escolas e redução de propagandas e campanhas oficiais de conscientização, segundo Tupinambás.
"Essa população está isolada, sem laços para buscar informação e fazer o check-up de saúde. A Amanda pode ser nossa ponta de lança efetiva onde nossos educadores não conseguem atingir essa população", avalia Tupinambás.
Como participar do PrEP
Segundo Tupinambás, o PrEP existe por causa de um descontrole das ISTs nesse público. "O projeto nasce da necessidade de tentar frear a epidemia de HIV na população mais jovem, porque há um descontrole."
Em 10 anos, a quantidade de novos casos de HIV/Aids entre jovens de 15 a 19 anos mais do que triplicou no Brasil.
A ideia é testar a pílula diária no público de menor idade, já que, na população adulta, ele protege com efetividade em mais de 95% dos casos. "Previne a infecção pelo HIV através de um remedinho, tipo pílula q vc toma todo dia e é gratuito pelo SUS, acredita?", diz Amanda no chat.
Na interação com Amanda também será avaliado o comportamento dos jovens em relação às infecções, como eles lidam com os riscos, que atitudes e iniciativas costumam ter.
Os estudos do PrEP no Brasil foram prorrogados até junho de 2021. O panorama em observação nas três capitais vai ajudar os pesquisadores a subsdiar o SUS para aprimorar as políticas públicas de prevenção.
Para participar é preciso atender aos critérios, que são: ter entre 15 e 19 anos, identificar-se como gay, bissexual ou homem que transa como homem, trans (mulher transexual, travesti, homem trans ou não-binário) e pessoas em situação de exposição.
A pessoa assina um termo de consentimento, faz teste de HIV a cada 6 meses e responde a questões a respeito das suas experiências afetivas e sexuais a cada 3 meses.
Na interação com Amanda, ela dá as orientações para fazer parte do projeto, agendando uma primeira visita. A pessoa pode também ir direto a um dos locais onde são feitos os acolhimentos.
Em Salvador, é na Casa da Diversidade, na Rua do Tijolo, 8, Pelourinho. Quem mora na capital mineira e cidades próximas deve ir até o Centro de Referência da Juventude, na Rua Guaicurus, 50, na região central. E, em São Paulo, o endereço é Rua Libero Badaró, 144, no centro da cidade.
O serviço é inteiramente gratuito. O tempo máximo de permanência por pessoa no PrEP é de 24 meses. Se for diagnosticada com HIV, ela precisará deixar o projeto e, para isso, recebe toda a orientação sobre como proceder para fazer o tratamento na rede pública de saúde.
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