Elas são transgêneros e lésbicas: "Sempre fui uma mulher que ama mulheres"
A poeta e escritora Raíssa Éris Cabral, 34, nunca teve dúvida de que gostava de mulheres. A mesma certeza não valia para sua relação com o corpo: ao nascer ela foi designada como um homem, mas nunca se reconheceu dentro dessa identidade. "Não conseguia entender o porquê", afirma. Demorou para perceber que, na realidade, era uma mulher transgênero. "Parecia algo impossível, porque todas as referências que eu tinha de mulheres trans eram heterossexuais, cuja expressão de feminilidade era ficar bonita para 'o homem'; Parecia que existia apenas essa possibilidade", narra para Universa. Conviver com pessoas não-binárias e com a comunidade lésbica nas redes sociais a ajudou a se entender. "Sempre fui uma mulher que gostava de outras mulheres e que gostaria de ser amada de acordo com a minha identificação de gênero."
Raíssa é uma translésbica. O termo pode dar um nó na cabeça dos mais conservadores, mas ser transgênero e homossexual é tão comum quanto uma mulher cisgênero -- que se reconhece no gênero que lhe foi designado ao nascer -- gostar de mulheres. "Uma coisa é a identidade de gênero, que é uma noção que cada um tem sobre ser homem ou mulher; outra é a orientação sexual, sobre com quem eu quero exercer a minha sexualidade, seja com homem, mulher ou nenhum deles", explica o psiquiatra Alexandre Saadeh, do Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Instituto de Psiquiatria da USP, em São Paulo (SP). O especialista pontua, no entanto, que muitas vezes pessoas transgênero têm dificuldade em perceber que, na realidade, são homossexuais. "Se é difícil para uma mulher cis perceber isso, imagina para uma trans? A nossa sociedade é muito restritiva, parece que só pode participar de uma ou outra caixinha."
Amor de mulher para mulher
No caso da poeta, a sua identificação de gênero e orientação sexual foram entendidas mais ou menos ao mesmo tempo. Estar em grupos de Facebook em que outras pessoas trans falavam suas experiências foi muito importante. "Minha forma de amar e desejar mulheres estava muito ligada à minha identificação. O desejo que eu sentia não era o de um corpo de uma pessoa lida como homem heterossexual, mas como uma mulher que ama outra mulher."
Antes de perceber isso, Raíssa teve três relacionamentos longos. "Eram relações que, de alguma forma, se tornaram muito tóxicas para mim." Uma cobrança para que ela agisse como "um homem de verdade" era constante. "Por eu gostar de meninas, eu sentia que precisava performar esse papel 'de homem' com o qual eu não me identificava para me relacionar com elas", afirma. Porém, mesmo não se identificando com o gênero masculino, a poeta se viu em um dilema. "Tinha medo da solidão que significaria ser uma mulher transgênero, porque eu abriria mão desse lugar supostamente 'confortável', com muitas aspas, de ser lida como um homem que se relaciona com mulheres."
A jornalista Letícia Santos, 36, de São Paulo (SP), sabia que era uma mulher trans desde os cinco anos, mas decidiu fazer a transição aos 29. Antes disso, teve relacionamentos lidos como heterossexuais, uma vez que a sociedade a via como um homem. "Mas as minhas ex-companheiras não compreendiam o meu jeito afeminado, diziam que eu deveria ter relacionamentos homossexuais."
Quando decidiu fazer a transição de gênero, Letícia estava casada havia dez anos. "Minha mulher já desconfiava que eu não me identificava como homem, mas nunca falou nada sobre isso. Foi quando me senti à vontade para me assumir", narra. Ela diz que a transição deixou o relacionamento, que já era muito saudável, ainda melhor. "Agora posso ser eu mesma, não tem mais aquela briga interna. Se eu quero comprar um vestido, um sapato, eu posso, porque estou vivendo a minha vida", afirma, aliviada.
Transfobia na comunidade lésbica
Cada mulher, seja ela cisgênero ou trans, tem sua vivência. Por isso, a forma com que a comunidade lésbica lida com as translésbicas são múltiplas. "Têm garotas que são super legais, outras que dizem que sou homem por causa da minha genitália", afirma Letícia.
Raíssa pontua que preconceito não é uma coisa que restringe à população LGBT ou heterossexual. "De forma geral, todas as pessoas cisgênero podem ser transfóbicas", fala. Porém, algumas mulheres lésbicas acabam reproduzindo discursos que excluem as pessoas transgênero. "Tem essa ideia de que gostar de mulher é gostar de buceta. Não é assim. Gênero não deveria ser definido de acordo com o que temos no meio das pernas", diz a poeta.
Algumas garotas também acabam se envolvendo com translésbicas por "fetiche". "Depende do caráter de cada pessoa", comenta Letícia. "Uma tecla em que sempre bato, inclusive sobre a parte física, é que relacionar-se com uma mulher transgênero não é a mesma coisa que se relacionar com um homem. As nossas sensações não são as mesmas", complementa Raíssa. Ambas dizem, também, que se sentem muito mais confortáveis para experimentar o prazer nos corpos com os quais se identificam. "Busco pessoas que estejam dispostas a construir uma relação mais confortável e tranquila para todas", conclui a poeta.
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