Ex-consumista cria negócio para desovar roupas de luxo com desconto
Zoë é uma garota de classe média alta, que cresceu entre as fotos de publicidade feitas pelo pai e os moldes de roupas da confecção da mãe. Decidida, já sabia aos 16 anos que queria estudar administração. Entrou na faculdade e, com aulas em período integral, viu-se impossibilitada de trabalhar.
"Mas eu queria ganhar meu dinheirinho", diz. "Resolvi então começar a vender o único ativo que eu tinha, que eram minhas roupas." A garota, que morava ao lado do Shopping Iguatemi, centro de compras de luxo paulistano, fazia visitas constantes às lojas de grife para praticar um esporte no qual era craque: consumir. "Com 18, 19 anos, eu era alucinada. Comprava horrores", conta. "Além disso, as roupas de teste que minha mãe fazia para várias marcas ficavam para mim." Seu guarda-roupas, portanto, era bem abastecido.
Zoë fotografava as peças usadas e as colocava à venda com desconto em grupos do Facebook, o que rendia dinheiro suficiente para ela não precisar pedir aos pais quando queria sair com o namorado ou as amigas. Ao mesmo tempo, conseguiu um estágio e, depois, um emprego na B2W, gigante do comércio eletrônico.
Assim Zoë desdobrou-se por algum tempo entre os estudos, o trabalho e as vendas das roupas, que haviam crescido. "Amigas e várias amigas de amigas começaram a me pedir para vender peças delas também e acabei criando um Instagram, que se chamava Shop Swap, 'troca' em inglês." Dois anos mais tarde, o Swap já tinha 15 mil seguidores.
"Eu não tinha estoque, não comprava nada, não tinha escritório. Então o custo era zero e tudo o que entrava era lucro", explica. Só aí é que começou a aparecer em Zoë a vontade de ter um negócio próprio. Ela decidiu que era hora de sair do emprego fixo.
"No meio de 2018, me desliguei da empresa, me formei e avisei meu pai que meu negócio ia virar sério."
O passo seguinte foi trocar o nome da empresa. "Shop Swap era um baita trava-língua." Assim nascia a Ozllo, um e-commerce que vende marcas de luxo de segunda mão internacionais e peças novas nacionais com até 80% de desconto.
Zoë organizou um programa de estágio de férias para estudantes para lançar seu negócio. "Eu tinha 400 produtos que precisavam ser catalogados, fotografados e subidos no site. Os estagiários tiveram a oportunidade de ver uma startup sair do zero", conta a empreendedora, hoje com 24 anos, sentada em uma colorida poltrona no escritório compartilhado WeWork do Itaim, em São Paulo, onde funciona seu negócio. O investimento, de apenas R$ 10 mil, saiu das próprias economias.
Um objeto de desejo... com desconto
Zoë trabalhava então apenas com artigos seminovos, numa espécie de brechó online de luxo: especialmente bolsas de grifes como Chanel e Balenciaga de pessoas que não as usavam mais e as deixavam com ela sob consignação. "A maior compra impulsiva que existe é aquela despertada quando aplicamos desconto em um objeto de desejo", diz Zoë, que, ao passar a olhar para a Ozllo como um negócio de fato, notou que ele não se sustentaria a longo prazo. "Quantas pessoas no país têm uma bolsa assim e querem desapegar? Poucas."
Conversando com pessoas experientes da área, começou a conhecer muita grife de luxo brasileira boa. "Essas marcas não sabem o que fazer com seu estoque de coleções passadas. Não querem ficar fazendo 'sale' a toda hora, mesmo porque elas têm que concentrar seus esforços em vender as coleções novas." Além disso, baixar tanto o preço de uma peça em seu próprio site pode atrapalhar a imagem da grife. Zoë, então, fez uma parceria com dez marcas nacionais para revender as coleções passadas.
Um ano depois, Zoë Póvoa trabalha hoje com cerca de cem marcas. As consumidoras, que estão em 15 estados do país, gastam em média R$ 300 em peças novas (o carro-chefe são as roupas) e R$ 2.000 em seminovas (os itens principais são as bolsas). A Ozllo --que não revela o faturamento, mas diz que ele dobrou em um ano-- está em fase de captação de recursos. Pretende pegar R$ 1 milhão com fundos e investidores-anjo. Zoë já fechou 30% desse valor.
Segundo o site californiano ThreadUp, de revenda de moda, a tendência é que, em dez anos, 30% dos guarda-roupas terão peças compradas em promoção ou de segunda mão, enquanto as "fast fashion" vão representar só 10%. "Você pode comprar uma peça seminova ou na liquidação pelo mesmo preço de fast fashion", diz a empresária.
"Estamos na era do consumo consciente. A moda é a segunda indústria mais poluente do mundo. Você sabia que, para fazer uma camiseta de algodão, gasta-se o equivalente ao que uma pessoa bebe de água por três anos?", indaga. "A gente tenta hoje fazer esse trabalho de evangelização. Às vezes, a peça que você quer já foi fabricada e está parada no guarda-roupa de alguém. Além disso, produtos de boa qualidade duram muito mais. Não precisamos ficar instigando a produção de peças novas. Vamos dar vida às que estão paradas."
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