Chega de estresse: troque o trabalho duro pelo trabalho inteligente
Se você não se sente exausta no trabalho, certamente já ouviu alguém muito próximo reclamar sobre não aguentar mais o dia a dia profissional.
Uma pesquisa do movimento Freesider, feita com 3.182 pessoas entre junho e julho de 2019, mostra que 76% dos trabalhadores ouvidos se dizem extremamente atarefados e 59% não aguentam mais e querem desistir de tudo.
Entre as mulheres, os dados são ainda mais contundentes:
- 78,9% estão sobrecarregadas
- 77,% não têm tempo de qualidade com a família (sentem-se ausentes, ocupadas ou cansadas demais para aproveitar o momento)
- 76,4% estão "no limite"
- 48,8% não tiram férias há mais de 3 anos
- 55% trabalham mais de 8 horas por dia
- 79,4% já tiveram algum problema de saúde por conta do trabalho
- 55% pensam em largar tudo com frequência, sendo que 32,1% cogitam a ideia diariamente
- 87,3% se mantêm conectadas às plataformas de comunicação do trabalho, checando periodicamente as notificações
- 4,3% recarregam a energia no final de semana
Nem quem trabalha na área da saúde escapa da sobrecarga. A ginecologista Juliana Araújo de Carvalho Schettini, 44 anos, por exemplo, aprendeu que precisava desacelerar da maneira mais difícil.
Recifense e mãe de dois filhos, ela acumula um currículo invejável em sua área de atuação. Entretanto, a construção da carreira exigiu muito da vida pessoal, a começar pela endometriose grave descoberta na juventude, que exigiu duas cirurgias e antecipou seu casamento (aos 23 anos, no nono período da faculdade) e a maternidade.
Cursou o último ano de medicina grávida (era "louca para ser mãe"), depois de ter sofrido um aborto espontâneo que a abalou, tudo intercalado com plantões, rodízios e estudos para a prova de residência. "Comecei a residência muito estressada e angustiada, com um filho de cinco meses que mamava. Meu marido o levava para eu dar de mamar no plantão", lembra.
Estresse com estudos e sobrecarga no trabalho eram constantes. Terminou a residência e já engatou no mestrado --sem deixar o trabalho diário. Em 2011, decidiu fazer doutorado. À época, acumulava atendimento em ambulatório pela prefeitura, consultório particular e pesquisas.
Nesse período, ainda se deslocava semanalmente para o interior de Pernambuco, onde atuava em cargo concursado. "De madrugada, durante o doutorado, em vez de dormir, estudava. Era uma demanda enorme", diz.
Em um dos retornos, dormiu na direção e bateu o carro em um caminhão. "Naquela ocasião, pensei: O que estou fazendo da minha vida? Mesmo assim, não conseguia parar." Três meses depois, na sala de embarque do aeroporto, passou mal. Desistiu da viagem, voltou para casa e foi descobrir o aconteceu.
Diagnóstico: transtorno de ansiedade generalizada, esgotamento completo. A recomendação: 60 dias de detox cerebral. Juliana passou a ser acompanhada por psiquiatra e, quando precisou interromper toda sua rotina, caiu num quadro de depressão, doença secundária à síndrome de Burnout.
"Precisei adoecer para entender que o trabalho e o estudo não podem ser maiores do que a minha vida emocional e pessoal", reconhece. Depois do período tenso, mudou hábitos: pediu demissão, começou a caminhar mais, a jogar xadrez, a fazer yoga.
"Precisei reprogramar a minha vida. Quero ajudar meus filhos no processo de construção da própria profissão, para que eles não repitam tudo isso que eu passei e adoeçam pelo trabalho", diz.
Sobrecarga não é produtividade
Um bom resultado profissional não é, necessariamente, ligado a esforço físico e mental. Nem o fato de se estar constantemente sobrecarregado e exausto são reflexos de uma pessoa produtiva. O trabalho não pode, nem deve, ocupar toda a vida de alguém.
"O segredo está em estabelecer limites de tempo e de prioridades e aplicar técnicas de produtividade para fazer o mesmo, em menos tempo", diz Fagner Borges, autor do livro "A Jornada da Liberdade" e criador do movimento Freesider.
Para ele, o grande problema é que estamos inseridos em uma cultura de esforço, em que se acredita que, para alcançar sucesso, é preciso trabalhar mais que o resto das pessoas. "Em consequência, nos sentimos culpados quando estamos curtindo. E isso faz com que não vivemos no presente."
Outro ponto: felicidade também costuma ser atrelada a bens materiais. "Com isso, vivemos em busca de crescimento financeiro para comprar o próximo carro, celular, roupa da moda etc. A saída que parece existir é sempre trabalhar mais para poder ganhar mais. E nunca paramos para respirar e aproveitar o que o dinheiro não compra."
Fagner pondera ser preciso ressignificar o valor que damos ao trabalho e ao dinheiro, trazendo emoções positivas associados a eles. "Trabalhar em excesso não é a resposta", diz ele, que defende a troca do conceito de "hard work" (trabalho duro) para "smart work" (trabalhar de forma inteligente).
Silvia Donati, coach pela Sociedade Brasileira de Coaching, observa que, quando suavizamos a relação com o trabalho, encarando-o de forma mais leve, logo sentimos as consequências. "Somos uma pessoa só e não há separação entre a vida pessoal e a vida profissional. Por isso, a forma que me relaciono com o trabalho impacta na minha vida pessoal", acredita.
Alguns fatores se mostram empecilhos para que se trabalhe de maneira mais eficiente na visão da especialista. Além de procrastinação, desatenção e distração, ela aponta o perfeccionismo, a dificuldade de delegar e até a arrogância de se pensar que ninguém é capaz de fazer a mesma tarefa como nós mesmos.
"Entre as mulheres, ainda tem a autocobrança: elas se cobram muito por terem que dar conta de absolutamente tudo. É a própria mulher que se sobrecarrega", diz.
Como trabalhar de forma mais inteligente
Adotar certas medidas no dia a dia pode fazer com que o trabalho se torne menos exaustivo. Ao conseguir ser mais produtivo, é possível mudar a relação com a profissão. Mais que isso, trabalhar de forma eficiente elimina a obrigação de horas extras e a sensação constante de estar sempre atrasado com as demandas.
- Concentre-se nas atividades que geram mais resultados. Observe sua rotina e veja quais rendem mais e melhor. Concentre-se primeiramente nelas, logo no começo da sua rotina. Faça todo o resto depois.
- Siga a sua agenda e não a dos outros. "Toda vez que você interrompe suas atividades para responder um email que acabou de chegar, uma mensagem de redes sociais ou qualquer outra coisa que não estava programada, aumenta o tempo necessário para executar as suas tarefas", diz Fagner. Concentre-se em uma atividade por vez e programe a leitura de emails e mensagens para um horário específico do dia, preferencialmente depois que já fez o que era importante.
- Alinhe-se com a realidade. Tenha consciência de que o trabalho é um meio de vida e, por meio dele, é que vai conquistar seus objetivos. "Quando temos um propósito e vemos sentido no trabalho, aliviamos nossa angústia", diz Silvia.
- Divida as tarefas e delegue. É comum as mulheres responderem pela rotina da casa, família e filhos, o que acarreta uma sobrecarga em "pensar, organizar e delegar" todas as tarefas, mesmo quando se tem uma rede de apoio. Permita que os outros façam isso. É um exercício diário até se dar conta de que não precisa fazer tudo sozinha.
- Adote ferramentas e rotinas para otimizar o tempo. Crie processos e checklists para agilizar as decisões que precisa tomar "A maioria das atividades que fazemos são repetidas diariamente ou com bastante frequência. Se você cria um processo para isso, economiza energia cerebral e ainda facilita a gestão e a evolução", afirma Fagner.
Valorize e aceite o jeito do outro. "Cada pessoa tem uma maneira diferente de fazer determinada coisa. Valorize as pessoas que estão ao seu redor e dê a elas a oportunidade de executarem as tarefas. Aceitar isto é sinal de inteligência --e não de fracasso", ressalta Silvia.
- Escolha que tipo de conteúdo quer consumir. Ao abastecer a mente com informações inúteis ou negativas, você acaba prejudicando a sua performance. Evite conteúdos que colocam para baixo, drenam a energia e que estão fora do seu alcance de resolver. "Invista em aprender apenas o que será usado agora, pois esquecemos boa parte daquilo que não exercitamos", diz Fagner.
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